quinta-feira, 30 de abril de 2009

O VIRA-LATAS


Texto retirado pelo autor devido a erro involuntário. O autor pede desculpas a Alessando Martins autor de texto anterior sobre mesmo assunto publicado em: http://www.cracatoa.com.br/cachorro-vira-lata-um-ser-especial

sexta-feira, 24 de abril de 2009

CACHORRO VIRA-LATAS


Ao cão, quando abandonado pelo dono ou apenas sem moradia, costumamos chamá-lo de vira-latas. Mas o que é, realmente, um vira-latas? Na verdade e antes de tudo é um sobrevivente, é o animal que a despeito da fome, do frio, do calor, da chuva, da falta de vacinas e dos cuidados mais elementares, sobrevive, multiplica-se e se perpetua saudável se for deixado a vontade. É o animal que os veterinários costumam classificar como SRD – Sem Raça Definida – mas que tem os melhores requisitos genéticos para sobrevivência sob quaisquer condições, é o cão primordial. Desde que o homem, provavelmente há mais de dez mil anos, domesticou o lobo asiático, procurou desenvolver nos descendentes obtidos a partir das matrizes lupinas, características ou qualidades tais que cumprissem certos requisitos como tamanho, agilidade, força, beleza, inteligência ou resistência, os quais se destinavam a auxiliar o homo sapiens na sua difícil tarefa de sobreviver. Essa manipulação do cão original, o qual, pelas características, poderíamos chamar de vira-latas, originou as centenas de raças que conhecemos. Naturalmente em épocas e locais distintos, plantas as mais diversas e outros animais como o boi, o cavalo, o asno, a galinha, o porco e o peru também foram domesticados e utilizados como alimento, como fonte de matéria prima para vestimentas ou confecção de abrigos ou, ainda, como “ferramenta” nas mais diversas atividades relacionadas com a sobrevivência, construção da civilização ou com a guerra. Mas, afinal, o que é domesticar e como se obtêm espécimes diferenciados e úteis para os fins desejados? Domesticar significa, “adotar” o animal ou vegetal selvagem, criá-lo em condições controladas sob supervisão de modo a torná-lo dependente do ser humano para sobreviver, ao mesmo tempo em que se reproduz até com mais facilidade e fertilidade do que na natureza. Já, para se obter variedades de animais ou vegetais diferenciados e úteis para uso humano, usa-se o cruzamento seletivo. Dos descendentes nascidos de animais ou vegetais domesticados, escolhem-se aqueles indivíduos os quais têm as qualidades que desejamos. Assim, para exemplificar: de várias ninhadas de gatos, escolhemos aqueles que tem pelagem maior, mais abundante, os quais, supostamente, estão melhores aparelhados para enfrentar climas frios. Cruzando-se esses animais peludos, com o tempo, depois de muitas gerações sempre cruzando os mais peludos entre si, obtemos uma nova “raça” de gatos que chamaremos de Angorá, por exemplo. No paleolítico, quando as tribos humanas de caçadores/coletores começaram a fixar-se na terra tornando-se criadores/agricultores o fator domesticação não só esteve presente como foi fundamental para a criação dos primeiros aglomerados que se tornariam vilas e depois cidades, no decorrer. Da domesticação para a seleção genética ou cruzamento seletivo o passo foi quase automático, se impôs que os homens selecionassem os melhores dentre os disponíveis, ou seja, cruzavam-se os cavalos e éguas mais fortes; escolhiam-se para o plantio as sementes maiores das espigas mais robustas; plantavam-se as mudas mais resistentes ao inverno rigoroso; cruzavam-se plantas com características diferentes esperando obter-se uma variedade descendente melhor que os pais, por exemplo. Desses cruzamentos forçados e plantios escolhidos nasciam os rebentos que se tornariam as variedades predominantes e que atendiam melhor as necessidades humanas. E o homo sapiens viu que isso era bom. Será que, a longo prazo, era bom mesmo? Vejamos: O homem, sem saber, ao fazer a escolha de uma ou mais qualidades de uma espécie, estava selecionando os genes responsáveis por essas qualidades e negligenciando outros genes, ou seja, pode ser que ao selecionar a variedade de trigo que tem as sementes maiores e as espigas mais robustas, estará sacrificando a resistência à seca dessa mesma planta; o cavalo mais forte, aquele que puxa o arado o dia todo sem cansar, pode ser suscetível à gripe ou ser infértil; a galinha que põe todos os dias pode ser aquela que não resiste ao frio do inverno; e assim por diante. Na seleção genética não há almoço de graça, “ganha-se” de um lado e perde-se de outros, é como vender a alma ao Diabo. É facilmente compreensível essa assimetria entre as qualidades das espécies artificialmente escolhidas. Durante milhões de anos a natureza “escolheu” através da seleção dos mais aptos, os melhores elementos das espécies, de forma que esses indivíduos passaram seus genes para os descendentes sempre melhorando a linhagem; se um rebento da espécie não resiste ao calor, por exemplo, tende a morrer no verão e, geralmente, não deixa descendentes. Por muitos milhões de anos o frio, o calor, o sol, os ventos, as chuvas, as erupções vulcânicas, os movimentos sísmicos, as marés, a competição entre espécies, os solos áridos e fracos, os solos úberes, os microorganismos nocivos, os insetos, os predadores, as secas, moldaram as espécies existentes, que são as melhores porque estão perfeitamente aptas a viver e se reproduzir nas condições existentes, e não porque produzem a fruta maior e mais suculenta, ou porque têm altura exata para serem colhidas pelas colheitadeiras equipadas com GPS. A natureza dotou suas criações de um “pacote” genético com todas as melhores qualidades possíveis, criou o cachorro vira-latas de todas as criaturas da fauna e da flora. Já, a “melhoria” das espécies feitas pelo homem, que se desenvolveu e permeou a civilização do começo da sociedade até os dias modernos, nada mais é do que a fragmentação do “pacote” criado pela natureza, de modo a aproveitar algumas partes e descartar outras. Resulta que hoje são milhões de novas variedades de animais e vegetais muitíssimo produtivos, mas extremamente “especializados”, seres perfeitamente adaptados a um clima específico, a um solo específico, a um ciclo sazonal específico, a uma geografia específica. Mais ainda, nos anos sessenta do século vinte, o movimento científico “Revolução verde” iniciou o maior esforço mundial no sentido de desenvolver novas variedades adaptadas aos mais diversos climas, com o intuito de “debelar a fome” no planeta. Novas variedades de trigo, aveia, arroz, grão-de-bico, soja, centeio, sorgo, milho, tomate, batata e girassol foram criadas, milhares de cultivares artificiais dessas espécies inundaram as lavouras em todos os continentes. Se acabou com fome em algum lugar deve ser num planeta desconhecido, porque na Terra não foi. Acontece que, seja pela incúria e falta de visão da raça humana, seja porque a temperatura planetal está mudando para obedecer a uma apenas suspeitada oscilação climática natural que acontece a cada dezena de milhares de anos, muitas espécies criadas através da seleção genética estão morrendo, não têm capacidade adaptativa para enfrentar mudanças não programadas, as pequenas variações espúrias que estão ocorrendo no clima são o bastante para exterminar essas variedades ultra produtivas, mas “fracas” geneticamente, criadas pela mão do homem. Nos Estados Unidos, Austrália, Japão, Inglaterra e França já foram registrados inúmeros cultivares que não conseguem produzir, ou tem a produção reduzida por causa das mudanças climáticas e alterações na salinidade do solo. E não adianta desenvolver novas espécies a partir destas, estas não têm “memória” climática de longo alcance, os genes que as tornavam imunes às oscilações milenares de clima, perderam-se em algum ponto de sua história moderna a mercê da manipulação humana. Que fazer então? Procurar o CACHORRO VIRA-LATAS! Procurar aquelas espécies selvagens que deram origem a essas modernas, espécies que têm, na sua carga genética, todas as informações necessárias à sobrevivência de longo alcance em quaisquer condições climáticas e adversas. Existem vários órgãos civis preocupados com a perda definitiva das sementes antigas, botânicos, geneticistas e outros cientistas estão numa corrida dramática em busca de sementes das espécies selvagens em todo o mundo. Sementes que foram conservadas através das gerações pelo mundo afora, passando dos avós para os filhos, destes para os netos, dos vizinhos para outros vizinhos e assim por diante, as vezes por centenas de anos. Os cientistas esperam encontrar e preservar as amostras das sementes que puderem fornecer os traços genéticos necessários à luta contra a mudança do clima, do solo e ao ataque de doenças que causam extermínio. A Noruega inaugurou no arquipélago de Svalbard, no Ártico, aquilo a que chama a “Arca de Noé” do reino vegetal, para preservar a diversidade vegetal do planeta, ameaçada por catástrofes naturais, guerras e alterações climáticas. Escavado na rocha gelada, a mil quilômetros do Pólo Norte, este “cofre” pode guardar sementes congeladas por 200 anos, mesmo no pior cenário de alterações climáticas e se os sistemas mecânicos de refrigeração falharem. Jens Stoltenberg, primeiro-ministro norueguês, disse que esta medida defende “os blocos de construção da civilização” de forças que estão ameaçando a “diversidade da vida que sustenta o nosso planeta”. Mais de cem países já enviaram cem milhões de sementes para Svalbard: arroz, milho, trigo, alface, batatas, grão-de-bico, entre outras espécies. As sementes antigas encontradas nos mais esconsos lugares do planeta estão sendo divididas em três partes: uma vai para o plantio normal para preservação das espécies através da produção de mais sementes; outra é dirigida a laboratórios que estudarão sua herança genética e tentarão aproveitar suas qualidades hibridizando-as a outras variedades modernas, melhorando estas; a última destina-se à “Arca de Noé Botânica”, onde, espera-se que elas permaneçam preservadas por 200 anos, como uma espécie de depósito bancário de emergência, que será usado no caso de perda da diversidade biológica. Na verdade, o homem encontra-se olho-no-olho com o monstro de fauces escancaradas que criou. Uma catástrofe inimaginável que pode dizimar a civilização está para acontecer e o ser humano conta apenas com o CACHORRO VIRA-LATAS para salvá-lo. Isso, que nem falamos ainda das plantas geneticamente modificadas que podem vir a ser outra ameaça num futuro próximo! JAIR, Floripa, 23/04/09.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

VAMOS COMER BANANAS!


Embora alguns portugueses que aportaram no Brasil recém descoberto tenham reportado que observaram índios alimentando-se de bananas, isso deve ser um equívoco, pois, como está registrado, a banana é originária do sul da Ásia e da Indonésia. Indícios arqueológicos e paleoambientais indicam que nas terras altas da Nova Guiné, já se cultivavam bananais, enquanto que na Malásia e Filipinas existem muitas espécies de bananas selvagens, ao passo que no Brasil existe apenas uma variedade da planta chamada pacova que não dá frutos comestíveis, serve tão somente para fins ornamentais. Umas das melhores técnicas para determinar onde uma planta foi domesticada pela primeira vez, é descobrir onde existem seus antepassados selvagens, sendo assim, o Brasil não é bom local candidato a origem das musaceas. A banana é mencionada em documentos escritos, pela primeira vez na história, em textos budistas cerca de 600 aC. Sabe-se que Alexandre, o Grande comeu bananas em 327 aC. Contudo a palavra Banana originou-se na África ocidental para onde a planta foi levada pelos povos árabes que a haviam conhecido na Palestina, onde a banana havia chegado pelas mãos dos conquistadores islâmicos que a trouxeram da Ásia em 650 dC. No século XV, os portugueses que haviam conhecido a banana na África, começaram plantações sistemáticas de bananais nas ilhas atlânticas e no Brasil. A partir daí a musacea adaptou-se ao clima e a geografia brasileira de tal forma que hoje é o fruto mais popular do país e o segundo do planeta, só ficando atrás da maçã, e o Brasil é o terceiro maior produtor da fruta, perdendo apenas para o Equador e para a Índia. Tornou-se tão brasileira a banana, que incorporou-se ao anedotário e folclore do país e daí gerou inúmeros provérbios, ditos e anedotas, como por exemplo: “A preço de banana”, “Dou uma banana para isso”, “República das bananas” e muitos outros. A bananeira é uma planta de caule subterrâneo que se desenvolve no sentido horizontal, e do qual saem folhas que crescem para fora da terra, formando um falso tronco. Ao contrário do que muita gente pensa, a bananeira não é uma árvore apesar do tamanho, trata-se de um arbusto com tronco oculto debaixo da terra. Observe-se que o falso caule da bananeira dá frutos apenas uma vez, daí morre e é substituído por novo caule, repetindo-se o processo anualmente. Dada essa característica de emitir sempre novos rebentos, o bananal torna-se permanente na área, porém com plantas renovadas a cada ciclo. Quando imatura, a banana é uma fruta de cor verde, ao madurar apresenta cor amarela ou, raramente, vermelha. Existem mais de 500 variedades de banana em todo o mundo, contudo, apenas pouco mais de uma dezena é comestível e aproveitada comercialmente. As cinco variedades principais são: banana prata, banana maçã, banana ouro, caturra e banana terra. A banana é um alimento energético, sendo composta basicamente de água e carboidratos, contém pouca proteína e gordura. É rica em sais minerais como sódio, magnésio, fósforo e, especialmente, potássio, sendo de fácil acesso e tornando a refeição ligeira, passou a ser o alimento ideal para os desportistas sujeitos aos grandes desgastes nos esforços físicos. Comparando-a com a maçã, tem o quádruplo das proteínas, o dobro dos hidratos de carbono, três vezes mais fósforo, cinco vezes mais vitamina A e ferro e o dobro das outras vitaminas e minerais. É um fruto rico em vitaminas e uma das mais saudáveis comidas existentes. É uma fruta flexível, grandemente consumida in natura, também pode ser transformada em cachaça, doces, licores, geléias e até vinagres. Além disso, a bananeira tem folhas grandes e caule fibroso que podem servir para cobrir abrigos provisórios, ou como embalagens de boa qualidade, ser utilizados como ataduras de emergência, resultar em certo tipo de papel e na confecção de artesanatos como chapéus, bolsas, cordas, peneiras, objetos de decoração e até no fabrico de móveis sofisticados. O líquido acumulado entre as folhas e o caule, é utilizado para aliviar dores resultantes do ataque das aranhas, vespas, escorpiões e até de cobra. O fruto é uma verdadeira panacéia, pode auxiliar no tratamento de certas enfermidades, tais como: tuberculose, paralisia, reumatismo, artrite, prisão de ventre, diarréia, desidratação, e, ainda, doenças de estômago, rins, fígado, intestinos e nervos, úlceras da pele, dermatites, queimaduras de sol, feridas, fraqueza pulmonar, resfriados, tosse crônica, tosse de fumante, bronquite crônica. De acordo com recentes estudos, a maioria das pessoas que habitualmente sofrem com depressões sentiram-se substancialmente melhor depois de comerem uma banana. No Brasil, o setor bananeiro gera mais de 500.000 empregos diretos. Segundo dados do IBGE, no ano de 2004, a cultura foi a segunda mais produtiva, ficando atrás somente da laranja. Creio que depois de ler este texto, o leitor nunca mais vai olhar a banana com os mesmos olhos, vai reconsiderar seus conceitos bananais para sempre. JAIR, Floripa, 22/04/09.

terça-feira, 21 de abril de 2009

PLANTANDO A MANDIOCA


No dia 22 de abril comemora-se o dia da mandioca. Essa fabulosa planta encontrava-se aqui no Patropi quando as caravelas de Cabral chegaram. Na história da ocupação dos continentes pelo homem paleolítico, vários fatores influenciaram na velocidade e delimitação dos deslocamentos, determinando a densidade populacional das tribos nômades que ocupavam uma nova terra. Clima e geografia do terreno eram fatores importantes para que os humanos resolvessem se estabelecer num local, contudo, os fatores fundamentais eram água, animais e plantas comestíveis disponíveis. De nada adiantava haver ótimo clima com terreno favorável se não houvesse o que comer e beber. Desde que as tribos de homens caçadores-coletores, oriundos da África, iniciaram o nomadismo motivados, talvez, pela busca de lugares mais favoráveis à perpetuação da espécie, a história humana é uma reprodução exata da história dos alimentos. Tão precisa é essa justaposição de histórias que existe até um ramo da ciência chamado etnobotânica que estuda as relações homem/planta em suas diferentes dimensões, que visa resgatar dos grupos humanos o saber quanto aos papéis que as plantas representam para os diferentes ambientes culturais e os significados que os grupos sociais lhes atribuem. Talvez com apenas uma exceção, a Austrália, todos os demais continentes e locais ocupados pelo homem primitivo eram úberes, isto é, possuíam meios abundantes de sobrevivência. Não é por acaso que a civilização humana surgiu primeiro no chamado Crescente Fértil, região da então Mesopotâmia e entorno, hoje Síria, Irã, Iraque, Egito, Jordânia, Israel e parte da Turquia. A Mesopotâmia caracterizava-se, claro, pela abundância de água fornecida pelos rios Tigre e Eufrates e pela existência das primitivas gramíneas que, domesticadas, deram origem ao trigo, ao centeio e a cevada. Provavelmente o Asno é oriundo dessa região, onde foi domesticado contribuindo também para a fixação dos homens primitivos. As tribos primitivas continuaram se deslocando e fixando-se em todos os continentes habitáveis sempre que as condições fossem benévolas, indícios paleontológicos indicam que há vinte mil anos o homem, depois de ocupar o leste da Ásia, atravessou o estreito de Bhering e adentrou as Américas por onde hoje é o Alasca. Vindo para o sul onde o clima era mais favorável, os primitivos foram se fixando e formando nações em áreas nas quais havia alimento na forma de animais e plantas domesticáveis. Portanto, não é surpresa alguma que os impérios Inca e Asteca tenham se desenvolvido no Peru e no México, locais onde havia as plantas que deram origem à batata e ao milho. A equação abundância de alimento disponível + água + clima = civilização, se fechava novamente. A leste da cordilheira dos Andes surgiram inúmeras nações, mais uma vez atraídas pela uberdade das terras. Não é a toa que tornou-se célebre a frase de Caminha, “em se plantado tudo dá”. Havia em abundância frutas tropicais, peixes, aves, mamíferos, e, principalmente, mandioca. A mandioca, Manihot esculenta Crantz, é uma planta perene, arbustiva, pertencente à família das Euforbiáceas. Na sua origem a planta é uma falsa trepadeira, falsa porque as verdadeiras possuem gavinhas, coisa que a mandioca não tem. A parte mais importante da planta está sob a terra, os tubérculos. Rica em fécula, utilizada na alimentação humana e animal ou como matéria prima para diversas indústrias. Originária provavelmente do Brasil, a mandioca era cultivada pelos índios, por ocasião da descoberta do país. No Nordeste, ela é conhecida como macaxeira. No sul, como aipim. Mas tem ainda muitos outros nomes: candinga, castelinha, maniva, mandioca-brava, xagala, mandioca-doce, mandioca-mansa, maniveira, moogo, mucamba, pão-da-américa, tapioca, pão de pobre, macamba, uaipi e pau de farinha. Mandioca, palavra de origem tupi batiza, com mais freqüência, essa planta da qual somos, orgulhosamente, o maior produtor do mundo, trinta por cento da produção do planeta podem ser postos na nossa conta. Lendo os cronistas que andaram pelo Brasil por diferentes épocas e regiões, percebe-se que as técnicas do plantio da mandioca por eles descritas, sofriam pequenas variações, levando-nos a crer que essa quase uniformidade em tais costumes de lidar com a terra e manejo com as mudas denuncia uma origem comum, tanto das diversas variedades da planta como dos povos que as descobriram. A mandioca, depois de conhecida dos portugueses, passou a ser considerada por Portugal um elemento de fundamental importância para o desenvolvimento de suas atividades relacionadas não só às conquistas de novas terras, como ao desenvolvimento do tráfico negreiro. Dessa forma, tal importância recaía no valor nutricional desses tubérculos que permitiam alimentar não só os portugueses que iam se fixando nos pontos da costa africana onde eram instaladas feitorias, como também servia de alimentação dos escravos, tanto nos navios como nos diferentes pontos do Brasil, onde eram negociados e levados por seus compradores para diferentes áreas do país. O componente nutricional mais importante do tubérculo da mandioca é a fécula (amido), cujo teor nas raízes frescas varia de 25 a 35%. Dependendo do vegetal de origem, o amido possui uma denominação: Amido (propriamente dito) - Reservado para o de origem de sementes ou grãos como milho, trigo, arroz. Fécula - Quando extraído de raízes, tubérculos e rizoma. Sagu - O verdadeiro sagu é obtido da parte central ou da medula de certas palmeiras. A fécula, amido da mandioca, é mais conhecida como polvilho ou goma, extraído com a decantação da água de lavagem da mandioca ralada. Vários tipos de farinha são obtidos da mandioca, a farinha branca de mesa, puba, tapioca (transformação do polvilho) e outros, além de bolos, caldos e o tucupi, líquido extraído durante a produção da farinha e polvilho, originariamente típicos da culinária indígena. A mandioca também é usada como forragem na alimentação animal, as folhas, ramas e restos de casca ou os desperdícios industriais do processamento da mandioca dão ótima ração. Através de processos de fermentação e ação enzimática, além de outras reações químicas, as indústrias extraem da mandioca vários produtos químicos dentre os quais o principal é o álcool combustível. Ao contrário dos cereais considerados nobres como o trigo e a cevada, a mandioca não é listada como alimento de importância mundial, no entanto, nós tupiniquins sabemos que sem esse vegetal a história de nosso país provavelmente teria sido muito diferente, e até o anedotário nacional sofreria algum dano, seria mais pobre. Lembrando que a forma cilíndrica do tubérculo torna óbvia sua comparação com o membro masculino, a gaiatice brasileira criou inúmeras anedotas explorando essa conotação. Vejamos uma conhecida piada, que por ser velha não deixou de ser boa: “Você sabe qual a melhor lua para plantar a mandioca?”. A lua-de-mel, é claro! JAIR, Floripa, 21/04/09.

sábado, 18 de abril de 2009

A BUSCA DE EMOÇÃO NÃO PASSA PELO FILME “O ARCO”


Tanto o senso comum como a ciência concordam que o prazer e a dor, ou o prazer e o medo, o susto e o terror são sensações bastante próximas, que a zona cinzenta entre as percepções causadas pelo sofrimento físico ou pelas tensões a perigos iminentes, e as que aumentam o nível de endorfina ou de adrenalina é tão tênue que elas se confundem às vezes. A frustração e a raiva não produzem endorfina nem adrenalina. Endorfinas são produzidas pela glândula hipófise e pelo hipotálamo durante exercícios vigorosos, excitamento e orgasmo. Os efeitos produzidos pela endorfina são analgésicos e de sensação de bem-estar. O termo "endorfina" consiste na junção das palavras "endo" (interno) e "morfina" (analgésico), significando que é uma substância com propriedades da morfina produzida internamente pelo organismo. Já a adrenalina é um hormônio derivado da modificação de um aminoácido aromático tirosina, secretado pelas glândulas supra-renais, assim chamadas por estarem acima dos rins. Em momentos de estresse, as supra-renais secretam quantidades abundantes deste hormônio que prepara o organismo para grandes esforços físicos, estimula o coração, eleva a tensão arterial, relaxa certos músculos e contrai outros. Como exemplo de busca de prazer através da dor, num extremo da escala estão os comportamentos sado masoquistas, e, na parte intermediária da escala, digamos mais moderada, estariam a busca de emoções fortes em esportes radicais ou atividades de risco que apresentam desafios mortais. Seja porque as áreas cerebrais que permitem a existência da dor e do medo, e as que sentem prazer estejam próximas e até se sobreponham, ou porque adrenalina e endorfina “viciem” como afirmam alguns supostos adictos, os seres humanos mais ousados, representados em sua maioria pela camada jovem da população, gostam da sensação de estar em perigo, de correr riscos. Que o digam os praticantes de bungle-jump, pára-quedismo, asas deltas, mergulhos profundos e escaladas perigosas. Contudo, parece que a população que vive essa dicotomia de buscar sensações prazerosas através da dor ou dos desafios é apenas uma minoria: jovens ousados e pessoas com certo grau de desvio comportamental com relação ao sexo. A esmagadora maioria dos seres humanos é “normal” está no extremo oposto da escala, isto é, tem relação com o perigo ou com sensações fortes apenas vendo filmes de ação ou de suspense, apreciando espetáculos circenses, assistindo corridas de carros ao vivo ou pela tevê, lendo histórias de mistério, andando de montanha russa ou coisa semelhante, nada que implique em injeções maciças de adrenalina nem embriaguês aguda de endorfina. Os leitores de Ágata Christie, fãs de Alfred Hitchcock e espectadores das chamadas novelas televisivas sabem do estou falando: a busca de algum suspense, de alguma emoção pelo perigo que está espreitando logo ali depois da esquina ou de alguma coisa ruim que pode acontecer, é o que leva as pessoas “normais” a lerem livros de mistério, assistirem filmes e novelas fortes e “arriscarem-se” em montanhas russas. O notável desse comportamento é que TODOS NÓS o temos, todos nós PRECISAMOS dessas emoções, mais ainda, necessitamos desses estímulos e os procuramos SEMPRE! Só não notamos. Mas, quando vamos ao cinema, lemos um livro ou assistimos televisão, estamos na busca da emoção de baixo impacto, seja o sentimento de condoer-se com a heroína e chorar o amor perdido dela; assustar-se de acelerar o coração com a explosão inesperada; sentir frio na barrida ao descer no elevador pirata do parque de diversões; emocionar-se quando o herói, finalmente, vinga-se do vilão ou agradar-se com os finais felizes. Podemos inferir que essas emoções leves, são necessárias, úteis e positivas para nosso equilíbrio emocional. Pois é, essa necessidade basal de buscar emoção numa estória me levou a procurá-la no filme "O Arco”, película nipo-coreana de 2005 que conta a estória de um homem de sessenta anos que vem criando uma jovem num barco de pesca em alto mar, desde quando esta tinha sete anos. O combinado é que se casariam quando ela completasse 17 anos e faltam poucos meses para que ela complete essa idade. Eles vivem de uma forma simples, tocando um instrumento que é um misto de violino com berimbau e alugando o barco para pescadores esportivos. Começa a trama óbvia do filme, chega um pescador jovem pelo qual a menina se apaixona o que causa ciúme no velho. Daí para frente a atmosfera é uma sucessão de anticlímax, de vazio existencial chocho, sem mérito; em nenhum momento a jovem ou velho falam, não há diálogo, não há palavras, só gestos, olhares, bocas e nada mais. Nada que emocione, nada que injete alguma edorfina no sangue, nada que traga algum suspense, alguma sensação de medo ou expectativa, algum desconforto para quem está assistindo, ou alegria de ver uma boa estória, uma estória bem contada. A única impressão forte que imprime na nossa mente é que o filme deve ser obra de uma genialidade tal que está acima da compreensão de pessoas normais; ou de uma estupidez que beira o insulto a uma inteligência mediana de um ser mediano, como a maioria. Em ambos os casos o sentimento predominante é que sairemos frustrados se o lograrmos assistir até o final: ou não conseguimos captar a mensagem porque esta está acima de nossa capacidade de entendimento; ou está tão abaixo da crítica que estamos perdendo nosso tempo. A frustração e a raiva, ao contrário das emoções de impacto leve, são sensações extremamente negativas. O fato concreto é que, ao invés de proporcionar divertimento, emoção, deleite pela apreciação do belo, da arte criativa, dos finais felizes, o filme traz unicamente frustração, o espectador sai do cinema triste e puto da cara por ter assistido a tão nefando entretenimento. Bolas!! Ainda bem que meu semancol funcionou e saí na metade da fita, poupei-me de maiores chateações. JAIR, Floripa, 18/04/09.

domingo, 12 de abril de 2009

COLEÓPTEROS




Coleópteros são insetos da ordem Coleoptera cuja característica mais notável é aquela carapaça lustrosa, muitas vezes bem colorida que cobre as asas delicadas, protegendo-as. Essa carapaça ou casquinha, chamada élitro, contribui para a estética do bicho e suas cores e padrões podem definir a espécie ou variedade a qual o inseto pertence. Todos os besouros, joaninhas, vaquinhas, carochinhas, gorgulhos, cascudinhos, escaravelhos, carunchos, brocas ou qualquer nome que se dê a esses insetos blindados, são coleópteros. Esses bichos são extremamente bem adaptados aos diversos climas e variedade de ambientes, de forma que vivem em desertos, planícies, matas ciliares, rios, lagos, praias, mangues, montanhas, florestas tropicais e temperadas, pântanos, campos e quaisquer outros nichos ecológicos imagináveis de todos os continentes com exceção da Antártida. Grande parte das pragas que atacam as lavouras são coleópteros, quer insetos adultos, quer suas larvas. Assim, nos acostumamos associar esses bichos com danos que eventualmente eles nos causam e os temos na conta de inimigos públicos, para dizer o menos. Entretanto, essa idéia de perversidade ligada ao inseto não se traduz em números, das 350 mil espécies conhecidas de coleópteros, apenas algumas dezenas, efetivamente, ocupam-se em atacar os cultivares desenvolvidos para alimentação humana, a esmagadora maioria é inocente, ou seja, trata-se de insetos inofensivos que só estão preocupados com a reprodução, alimentação e modus vivendi lá deles, sem tomar conhecimento que na superfície do planeta em que vivem, existe um tal de homo sapiens, seja lá o que isso for ou represente para sua própria existência. Outras tantas espécies podem ser bonitas, úteis, curiosas, muito grandes, muito pequenas, ignoradas, feias, bizarras, estranhas ou indiferentes, mas não molestam o ser humano. A Joaninha é um exemplo de animal bonito e útil – quem durante a infância não apreciou a beleza colorida da carapaça pintalgada de uma joaninha? As joaninhas são predadores no mundo dos insetos e alimentam-se de afídeos, moscas-da-fruta e outros tipos de insetos. Uma vez que a maioria das suas presas causa estragos às colheitas e plantações, as joaninhas, o mais das vezes, são consideradas benéficas pelos agricultores. O Besouro vira-bosta ou escaravelho é exemplo de animal útil também: é um bichinho de cerca de 4 centímetros de cor verde metálica ou marrom, que tem como característica o hábito de fazer uma bola de excrementos de animais, principalmente de cavalo, a qual costuma rolar até um local onde, junto com a fêmea, que põe ovos sobre a bola, enterra e deixa para as larvas que nascerem se alimentarem. Essa bolas servem de adubo para a terra onde se encontram. O Besouro bombardeiro é o típico animal curioso: Vivendo na superfície da terra este besouro passa a maior parte do tempo se escondendo entre raízes de árvores ou debaixo de pedras. Sendo um animal carnívoro, gosta de comer insetos de corpo mole e moluscos como lagartas e caracóis, sendo muito veloz para alcançar sua presa. O nome de bombardeiro se dá ao fato de que quando se sente ameaçado bombardeia, em qualquer direção em que se encontre seu predador, com o jato de um líquido que sai do seu abdome. Este líquido sai e provoca uma espécie de fumaça azulada produzindo um barulho alto assustando deste modo o inimigo. Esse líquido expelido sai fervendo e com um cheiro bastante forte e desagradável, podendo provocar queimaduras em outros insetos. Na pele humana só causa uma leve ardência. O Besouro gigante é bizzarro, não só é o maior besouro como também é o maior inseto do mundo. Além ser o maior inseto em peso, também é o maior invertebrado voador. Vive na Floresta Amazônica e se alimenta de material orgânico em decomposição no solo úmido. Pode chegar até a 22 centímetros de comprimento, é maior do que a mão de um homem adulto, e pesar cerca de 70 gramas. Em matéria de periculosidade também os coleópteros estão bem representados. O Besouro venenoso medindo de um dois centímetros vive no sul e centro da Europa, Sibéria e América do Norte. Começa a aparecer na Europa durante o verão. A fêmea põe seus ovos próximos às colméias, pois quando os filhotes nascem entram no ninho das abelhas. Lá dentro sofrem uma transformação, soltam a pele e viram larvas minúsculas que passam a se alimentar das larvas das abelhas. Além de exalar um cheiro muito forte, para que os predadores não se aproximem, eles soltam um veneno que queima a pele formando bolhas. Insetos considerados dos mais venenosos que existem. Outro coleóptero muito interessante é o Besouro Serrador, este bicho costuma fazer um corte bem definido em torno de um galho, o qual derruba e no qual a fêmea deposita ovos que, ao eclodirem, geram larvas que se alimentarão da madeira do galho. O Vaga-lume ou pirilampo também é um coleóptero dos mais estranhos. Com seu corpo frágil, cor de terra, a fêmea do vaga-lume pode somente arrastar-se no chão. Como ela faz para chamar a atenção dos machos alados que zumbem no ar quente da noite? Para compensar a falta de asas, desenvolveu algo muito especial: pequenas glândulas que segregam luciferina, uma substância que em determinadas condições se torna luminescente. A luz verde é o sinal para que o macho interrompa seu balé aéreo e venha juntar-se à fêmea. Essa diferenciação tão marcada entre os sexos é rara entre os coleópteros. Na maioria das espécies de pirilampos ambos os sexos são alados e luminescentes, e o macho atrai as fêmeas com suas luzes pisca-pisca. Este processo é chamado de "oxidação biológica" e permite que a energia química seja convertida em energia luminosa sem a produção de calor. As luzes têm diferentes cores, pois variam de espécie para espécie e nos insetos adultos facilitam a atração sexual. Os lampejos equivalem ao início do namoro: são códigos para atrair o sexo oposto. Mas a luminescência também pode ser usada como instrumento de defesa ou para atrair a caça. De todos os coleópteros o Vaga-lume talvez seja o mais exótico de todos. Bem, considerando esse multimilenar universo de seres pequenos, podemos facilmente escolher os coleópteros como os representantes mais formidáveis dos insetos pela sua espantosa variedade, pela diversidade de suas aptidões e pela beleza de seus coloridos. JAIR, Floripa, 12/04/09.

sábado, 4 de abril de 2009

NED KELLY


A principal fonte alimentação dos Incas era a batata, a qual era desconhecida no resto do mundo. Em 1536 os espanhóis levaram a batata do Peru para a Espanha onde ela se difundiu para a Europa, tornando-se, a partir do século XVIII, o alimento básico de praticamente todos os países europeus, algo equivalente ao arroz na Ásia e ao feijão-com-arroz nosso de cada dia. Especialmente na Irlanda a batata, já batizada de batata inglesa, era usada em grande quantidade e em todas as formas, principalmente na alimentação das classes mais pobres de camponeses e artesãos. No início da década de 1840, as terras da Irlanda, então possessão da Grã-Bretanha, foram acometidas por um terrível fungo que atacou as plantações de tubérculos. Tratou-se da tristemente célebre praga da batata que provocou um dos maiores surtos de fome da Europa moderna. Um fungo mortífero liquidara com quase todas as plantações, matando pela inanição e doenças, segundo estimativa, quase dois milhões de irlandeses, número significativo para uma nação com apenas oito milhões de habitantes. Os que podiam e tinham dinheiro trataram de migrar para o exterior, entre eles o bisavô do futuro presidente John F. Kennedy, que embarcou para os Estados Unidos. Muitos pobres, agora tornados miseráveis e famélicos, voltaram-se para o roubo e o saque a fim de sobreviverem. Para os agricultores atingidos, a praga da batata assumiu caráter de maldição divina, de séria e obscura transgressão teológica. Supersticiosos, os camponeses pobres e analfabetos, suspeitavam que havia alguma mácula, algum pecado que estariam expiando por terem nascidos gaélicos e católicos ao lado de um nação protestante saxônica, cujos poderes econômicos e políticos lhes eram impostos goelas abaixo. Para aumentar-lhes o infortúnio, as punições não vieram somente do Céu, pois os grandes proprietários, alegando inadimplência dos arrendatários e da arraia miúda de lavradores, os expulsaram das habitações (só em 1845 foram despejados das terras quase oitenta mil camponeses). Nesta época, o Império Britânico vivia sua maior opulência, poder e expansão, era "O Império onde o sol nunca se põe”. Desde 1837 governado pela Rainha Vitória, a qual ficaria no poder por sessenta e quatro anos, tendo nesse tempo elevado a Inglaterra ao posto de maior império do mundo, inaugurou a Era Vitoriana, época na qual o Império consolidou suas colônias ao custo de guerras sangrentas na Índia, Criméa e Afica do Sul. O seu governo era sinônimo de pontualidade, sofisticação e intolerância religiosa, graças ao fato de a soberana ser geniosa, obstinada e ter imposto um estilo de vida e comportamento aos súditos, em todos os cantos do Império. Com colônias nos cinco continentes habitados, a coroa inglesa não tinha pejo em adotar uma política desumana de degredo, cujo objetivo não confessado era povoar a qualquer custo terras longínquas e inóspitas como Austrália, Nova Zelândia, África do Sul etc, para onde a maioria dos cidadãos comuns não iria de vontade própria. As alegadas razões para degredo de cidadãos podiam ser as mais fúteis como o simples roubo de uma galinha, por exemplo. Assim, desde a década de 1770, a Austrália possuía colônias penais na baía de Sidney e na então chamada Colônia de Vitória, para as quais a Inglaterra enviava seus condenados. Foi assim que, John Red Kelly, irlandês de Tipperary, pobre, rústico e católico, - tudo que os ingleses não aturavam - atingido pela fome proveniente da praga da batata, foi condenado a sete anos de prisão por roubar dois porcos de um vizinho e deportado para uma prisão da colônia de Vitória na Austrália. Em Port Phillip District, quando sua sentença expirou em 1848, conheceu a também irlandesa Ellen Quinn de 18 anos, com quem se casou em 18 de novembro de 1850. Edward Ned Kelly, nascido em 1854, era fruto desse casamento. Garoto saudável e ativo, embora semi analfabeto como seus pais, tios e avós, aos doze anos foi condecorado pelo prefeito de Beveridge, por ato de bravura por ter salvo um garoto um pouco mais velho de se afogar num lago das proximidades. Foi agraciado com um cinto cerimonial verde e dourado, o qual passou a usar em todas as ocasiões até sua morte. Estudou só até 1866, ocasião em que seu pai faleceu e ele assumiu o arrimo da mãe, irmãs e irmão. Há que se notar que Ned nasceu e vivia num local de pequenas propriedades rurais onde todos eram irlandeses pobres, local considerado covil de ladrões pelas autoridades inglesas. Nessa Austrália do século XIX, a polícia da colônia de Vitória já sabia quem procurar quando precisava de um culpado para qualquer delito: irlandeses ou descendentes, pobres e sem instrução, nascidos na zona rural. Se a suspeita não se confirmava, o sangue quente dos buliçosos irlandeses, inimigos figadais dos ingleses, que mandavam no governo, se encarregava de torná-la realidade. No ano de 1871, Ned foi preso por assalto e roubo de um cavalo. Tudo indica que ele fosse inocente: mais uma vítima da implicância policial. Segundo carta de Jerilderie, documento de 1879 em que o bandoleiro narra sua versão dos fatos, os primeiros crimes foram cometidos só depois, quando a perseguição não permitia que sua família vivesse em paz. Ned começou roubando cavalos e destilando bebidas alcoólicas caseiras e só ficaria mais ousado a partir de 1878, após a prisão de sua mãe. Ele e seus amigos realizaram assaltos espetaculares a bancos em Euroa e Jerilderie em 1878 e 1879 e, como Robin Hood, distribuíram dinheiro aos familiares dos colonos perseguidos e presos por suposta conivência com os crimes de sua quadrilha. Passou a ser acossado pela polícia inglesa que chegou a “importar” o policial Sr Reardon da África do sul depois que Ned, seu irmão Dan e dois amigos, num dos confrontos com a lei, mataram três policiais durante uma fuga. Foram oferecidas 100 libras para quem o capturasse ou matasse. Nos anos seguintes, o valor atingiu 2.000 libras, o equivalente hoje a aproximadamente 500.000 reais, só para comparar, a polícia do Rio de Janeiro recentemente ofereceu 50.000 reais pela captura do traficante Elias Maluco. Mas Ned não se intimidou e respondeu na mesma moeda: passou a oferecer prêmios pelas cabeças dos chefes da polícia local. O último confronto do bando com seus perseguidores aconteceu em Glenrowan, em 28 de junho de 1880. Entrincherados em um hotel, Ned, seu irmão Dan, Joe Byrne e Steve Hart , demonstrando rara e insuspeitada habilidade metalúrgica, improvisaram eficientes armaduras de ferro que lhes cobriam o peito e a cabeça, mas que deixavam a pernas vulneráveis. O tiroteio durou 12 horas e só acabou com a morte de todos os membros do bando, menos um: Ned Kelly, preso depois de levar 28 tiros nas pernas e enfrentar sozinho cerca de 50 agentes da polícia. Ned foi enforcado em Melbourne em 11 de novembro daquele ano, apesar dos apelos de sua mãe e das 32.000 assinaturas contrárias à sua execução. Cortaram-lhe a cabeça e enterraram seu corpo no pátio da prisão. Até hoje ninguém sabe do paradeiro desses restos mortais, o que aumenta ainda mais o fascínio da lenda de Ned Kelly. Cultuado como herói dos desvalidos, os quais viam nele o paladino defensor dos oprimidos contra os tiranos ingleses, em várias cidades do interior foram erguidas estátuas gigantes em sua homenagem, como esta da foto acima, a qual tive oportunidade de conhecer quando lá estive. Já foram feitos seis filmes contando a saga desse Robin Hood australiano, o mais famoso tendo Mick Jagger e o mais recente Heat Ledger como Ned. JAIR, Floripa, 04/04/09.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

RÉQUIEM PARA KITTY GENOVESE


Hallo Kitty! Tu eras uma jovem de 28 anos que vivia uma vida comum no Queens em Nova Yorque e foste brutalmente assassinada praticamente à porta do edifício onde moravas. Na madrugada do dia 13 de março de 1964 tu foste atacada por Wilston Moseley – que depois se constatou ser um serial killer que já havia matado outras duas mulheres – esfaqueada diversas vezes, estuprada e roubada em 29 dólares, numa ação que durou quarenta e cinco minutos. Ao todo 38 pessoas nos apartamentos próximos abriram suas janelas, ouviram teus gritos de socorro e nada fizeram. Só depois que teu corpo se encontrava inerte na calçada e o assassino tinha se evadido um dos vizinhos chamou a polícia. Pobre Kitty! Nada do que vou dizer vai servir de consolo para ti ou para aqueles que choram tua morte; nada vai mudar também os fatos que tão mal te resultaram; nada do que eu diga vai trazer teus dias bons e ruins e tua vida pacata, simples e sem brilho especial de volta. Contudo, onde quer que tu estejas, vais poder entender como as coisas são, mas não deveriam ser. Tu foste vítima não só do assassino frio Wilston, - este apenas empunhou a arma que te feriu de morte – mas, também, de uma sociedade capitalista altamente industrializada que desumaniza as pessoas; onde estas são valorizadas apenas pelos números que representam: "tantas horas trabalhadas, tantas peças produzidas, tantos dólares ganhos". Uma sociedade onde seus membros são espectadores passivos das mazelas que os rodeiam; onde “os outros” não são seres humanos como tal, seres com alma, sentimentos e valores iguais aos nossos; se vivem além de nossas paredes, se vivem fora do “invólucro” próprio que cada um de nós carrega em torno de si - uma espécie de aura que nos envolve, e na qual qualquer entrada não permitida nos incomoda, nos perturba - são seres diferentes, são moradores de um mundo que “não nos interessa”, não nos pertence e, por isso, fora do alcance de nossa solidariedade, de nossa preocupação. Essa sociedade destituída de suas células primeiras, as famílias, constitui uma amálgama não identificável de indivíduos solitários que pugnam a luta inglória de obter “um lugar ao sol”, de conquistar o privilégio do “eu primeiro” a qualquer custo, sem considerar os direitos dos outros, ou olhar as necessidades do vizinho ao lado; essa sociedade gera, nas suas entranhas degradadas de valores morais, indivíduos nefastos com instintos voltados para o niilismo que destrói, que aniquila, voltados para o mal pelo prazer mórbido de praticá-lo; essa sociedade colocou a arma na mão do assassino e voltou as costas quando o crime estava sendo praticado. O comportamento egoísta e indiferente desses homens-máquina modernos urbanos desmente o que o poeta e o filósofo disseram: "Nenhum homem é uma ilha isolada", frase do poeta inglês John Donne, depois atribuída ao filósofo Teilhard Chardin, a qual traduz o sentimento que acode ao poeta e ao filósofo em acreditar que o gênero humano é bom e faz parte de um todo indivisível; que seus membros são unidos e dependem uns dos outros; que, ao morrer um homem, deixa um sentimento de perda, um vazio na alma naqueles que ficam, uma incompletude angustiosa como o sentimento de orfandade; tanto, que Donne continua seu poema: "cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano", e o filósofo completa seu pensamento: "Isto significa que o homem não consegue viver isoladamente e uns precisam dos outros para sua sobrevivência" Santa ingenuidade! Ao poeta podemos atribuí-la a licença que lhe concede a musa ao lhe dar o dom de enxergar com a alma; e, ao filósofo, cujo pensar está acima das coisas vãs, terrenas, podemos entender que o mundo ao qual se refere é um ideal a ser alcançado, e não esse mundo mesquinho cotidiano que nos oprime e nos transforma em gado sem vontade e sem objetivo. O comportamento da sociedade humana, longe de ser esse utópico ideal poético-filosófico, está mais próximo de uma hipotética matilha degenerada de lobos que, antes de caçarem unidos para obter melhores resultados, canibalizam-se uns aos outros até não mais constituírem uma comunidade coesa e cooperativa e, sim, um conjunto de seres brutos, isolados nos seus egoísmos deletérios e finais. Por isso, Kitty, onde quer que tu estejas, ainda que te vejas triste por não poder contemplar horizontes, sentir o aroma das flores ou ouvir o som de uma sinfonia, não chores! O mundo que deixaste para trás é vil, não vale uma única lágrima tua. JAIR. Floripa, 02/04/09.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

ULURU

Monólito, do dicionário: Obra, monumento ou bloco natural formado de uma pedra só. O Pão de Açúcar no Rio de Janeiro é um exemplo típico de monólito, neste caso, um bloco único de granito. O Uluru é um monólito, tem 338 metros de altura, três quilômetros de extensão e, segundo os geólogos, mais dois mil e quinhentos metros sob a terra, o que o torna o segundo monólito do planeta em tamanho, o primeiro chama-se Monte Augustus, e também se situa na Austrália. Esse colossal monólito é constituído de arenito. Arenitos são rochas sedimentares (formadas por sedimentos que se depositam, geralmente no fundo de um lago) constituídas por areias aglutinadas por um cimento natural, que geralmente caracteriza a rocha, ou seja, trata-se de rochas feitas de areia, daí o nome. O Uluru situa-se no centro norte da Austrália e é o local mais reverenciado pelos aborígines. As cavernas ao redor de Uluru abrigam pinturas sagradas que mostram “The dreaming”, o tempo mágico do conceito aborígine da criação, quando o universo passou a existir. Para os aborígines Anangu, tribo que vive no Parque Nacional Kata Tjuta no qual está situado o monólito, Uluru é um ser vivo que abriga dezenas de seres ancestrais que ainda vivem em lugares especiais nas cavernas e reentrâncias da pedra. Suas atividades são registradas em alguns locais da rocha e muitas das histórias são sagradas e cobertas de segredos. Em 1980 o parlamento australiano “reconheceu” a posse da pedra, que os brancos chamam de Ayers Rock, e do parque aos Anangus, ainda que estes vivessem ali há milhares de anos, e estes o arrendaram ao estado Australiano por 99 anos. Os turistas que visitam o monólito normalmente têm a finalidade de escalar suas vertentes, mas os nativos não enxergam com bons olhos essa atividade, pois lhes parece uma profanação de local tão sagrado e importante para sua cultura. Os Anangu não escalam o bloco rochoso e limitam-se a solicitar aos visitantes que os respeitem, e às suas leis tradicionais. Proibir não faz parte da sua cultura, de forma que pedem, apenas. Apesar dos apelos, quase sempre há inúmeros turistas, como a carreiras de formigas, subindo e descendo o monólito, se lixando para os pedidos dos legítimos proprietários do lugar. O que torna a pedra de uma beleza rara é sua capacidade de refletir cores de acordo com a posição do sol. Sua composição arenítica contém o mineral feldspato e este lhe confere tons de magenta, laranja, vermelho, amarelo e amarronzado de acordo com a reflexão solar, é um espetáculo magnífico apreciar suas mudanças de brilhos, sombras e cores, texturas e formato aparente. Bem, esse maravilhoso monumento está solidamente fincado na paisagem do Out Back desde trezentos milhões de anos e só nos últimos quarenta anos já sofreu mais danos que todos os desgastes naturais do sol, da chuva e dos ventos infringidos durante o resto do tempo. Os visitantes costumam tirar lascas da pedra para levar como souvenir. É de se pensar se o homem, esse maldito dilapidador, não está no mundo apenas para isso: transformar o perene em transitório; estragar em dias o que a natureza levou milhões de anos para construir; destruir tudo e todos de forma a tornar o planeta inabitável em pouco tempo. Esperemos que não! Façamos votos que venha aí uma geração de pessoas conscientes da fragilidade do equilíbrio natural existente entre os seres vivos, - entre eles o homo sapiens, é claro – e o ambiente que os cerca. A harmonia do planeta está em nossas mãos, seremos os agentes de sua destruição ou de sua preservação, depende de nós. JAIR, Floripa, 01/04/09.