quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A INQUISIÇÃO PROTESTANTE


A história da intolerância religiosa é farta em documentar e divulgar os horrores cometidos pela igreja católica durante a inquisição que vitimou mais de cem mil mulheres acusadas de bruxaria. Os historiadores geralmente se referem apenas à inquisição católica e nada falam sobre as atrocidades que ocorreram nos países protestantes. Ao contrário do que os círculos eruditos dizem, mas, especialmente a crença popular afirma, Lutero nunca foi exatamente um liberal, nunca teve como objetivo deixar que correntes religiosas outras fluíssem com liberdade para praticar o proselitismo, por exemplo. A atual doutrina luterana prega para seus fiéis que o protestantismo sempre foi liberal, sempre permitiu a livre expressão de vontade daqueles que seguiam outras religiões. Lutero, e sua Reforma, para todos os efeitos, é ainda considerado como tendo, em princípio, defendido a clemência; como tendo sido um defensor da liberdade religiosa de todos, quaisquer que tenham sido suas inclinações. Historicamente, contudo, nada é mais incorreto, a Reforma não foi um movimento em favor da liberdade intelectual. A verdade é exatamente o contrário. O núcleo duro do protestantismo reivindica para si a luta pela liberdade de consciência, entretanto, a história nos prova que onde eles eram predominantes, a liberdade religiosa era a primeira vítima, em seguida vinham as vítimas humanas propriamente. Conceder liberdade aos outros nunca lhes ocorreu enquanto eles eram o lado mais forte. A extinção completa da Igreja Católica e seus seguidores foi considerada pelos reformadores como algo totalmente natural e desejável. É quase uma regra considerar que apenas a inquisição católica praticou tortura. Contudo, a inquisição protestante diferia da católica apenas pela ausência de legislação que definisse as formas de se efetuar as perseguições, torturas e assassinatos; não havia um órgão central no comando, faltava, por assim dizer, “profissionalismo”; tudo parecia obra de amadores exaltados, parecia uma orquestra sem maestro onde cada um tocava seu instrumento ao seu talante. Nem por isso ela, a inquisição, foi menos tenebrosa e cruel; nem por isso foi menos perniciosa e desumana. Nem por isso foi menos abrangente no tempo e no espaço. Nem por isso ceifou menos vidas que a inquisição católica. Nas vilas e cidades conquistadas pelos fanáticos, os católicos eram normalmente afugentados, instados a abandonar todos seus pertences ou então deviam converter-se à nova fé, sob o risco de serem condenados a morte. Na Europa central, em especial na Alemanha, a perseguição a católicos e religiosos de outras denominações foi a marca registrada de uma religião tolerante na teoria, mas extremamente obtusa e radical na prática. As páginas que narram a ascensão da religião protestante foram escritas com sangue de seus êmulos. Por séculos, “caridosos” luteranos impuseram seus dogmas a outras pessoas, ou as empurraram ao patíbulo como segunda opção. Até no Brasil o fanatismo e a crueldade desses celerados deram as caras, aqui chegaram a bordo dos navios de Nassau. Calvinistas faziam parte das tripulações dos navios holandeses que chegaram para a invasão, e tudo indica que não se tratavam apenas catequistas piedosos e bem intencionados. Há relatos de massacres de sacerdotes e fiéis no norte do País em 1645, praticados pelos calvinistas radicais holandeses. Diante da história das Cruzadas e das Inquisições, torna-se quase compulsório inferir com toda propriedade que, na história da humanidade, em nome de Deus, já se matou mais gente que sob o nome de seu oposto. JAIR, Floripa, 27/01/10.

domingo, 24 de janeiro de 2010

A TIRANIA DO TEMPO


Meus leitores já devem ter percebido que o tempo, com todas suas implicações, é tema recorrente em muitos de meus textos. Ora ele se apresenta em torno de relógios que tentam aprisioná-lo em seus ponteiros e dígitos; ora ele aparece na forma de poesia que o admira em sua perpetuidade e imparcialidade; ora ele é tratado como uma entidade viva que permeia os desvãos de todas as coisas e das atividades humanas. No dia-a-dia o tempo é igual para todos, acomete tudo e todos sem distinção; corrói o metal, degrada o seres vivos, eleva montanhas, seca oceanos e permanece imutável não obstante tencionarmos escravizá-lo colocando rótulos: segundos, minutos, meses, séculos etc. Contudo, é ele que nos escraviza, é um tirano implacável que não se comove com o drama da vida. A tirania do tempo é um fenômeno de nossa era, tão arraigado e presente que raramente pensamos a respeito. Mantemos o tempo em nosso pulso, nas paredes, em locais públicos, torres de igrejas e em todo local que estejamos.
Os relógios os quais decoram o pulso de todas as pessoas, de autoridades a gente comum, podem ter um mecanismo de mola que impulsiona os ponteiros ou um cristal minúsculo que oscila tão precisamente em reação a um impulso elétrico que ele nem adianta ou atrasa mais do que alguns segundos por ano. Os relógios eletrônicos, esses a bateria, são um milagre da tecnologia que passa despercebido; são aparelhos 99,9999 % exatos e ainda assim costumam ser tão baratos que podem ser descartáveis.
A história do relógio atual está ligada aos primeiros aparelhos mecânicos para controle do tempo durante a época elisabetana com o propósito da navegação em longas travessias oceânicas.
Antes disso, Galileu, ainda um jovem estudante sentado na catedral de Pisa, ao invés de prestar atenção na missa, notou a oscilação de um grande lustre suspenso. Usando o próprio pulso como cronômetro, Galileu notou que o lustre parecia levar o mesmo tempo para percorrer um grande arco como para percorrer um arco menor. Essa observação lhe sugeriu uma lei: O tempo necessário para que um pêndulo realize uma oscilação independe da amplitude da oscilação. Nasceu aí o conceito do relógio de pêndulo.
Durante a Idade Média e o Renascimento, os mestres relojoeiros eram artesãos de elite e as principais cidades da Europa disputavam seus talentos quando visavam adquirir o símbolo de status de uma torre com relógio. O mais antigo relógio ainda funcionando encontra-se na catedral de Salisbury na Inglaterra, está tiquetaqueando desde 1386.
Antes da tecnologia mecânica, todo o controle do tempo baseava-se nos ciclos do céu. Nascer e pôr do Sol e da Lua, marés, estações frias e quentes. O controle do tempo tinha o propósito prático de regular a agricultura. A necessidade de controlar o tempo é anterior à civilização, os povos nômades tinham que acompanhar as estações para determinar época de caça, de colheita, de mudança etc.
É irônico que marquemos o tempo com precisão cada vez mais acurada e, ainda assim, não prestemos atenção à vasta extensão de tempo que se estende à nossa frente. Para enfatizar esse despropósito de tempo que fluirá depois que nossa civilização se for, Danny Hills está construindo um relógio que marcará o tempo com perfeição durante cem mil anos. O seu “Clock of the Long Now” é um marcador de tempo para a falta de pensamento de longo prazo da nossa cultura. O relógio tiquetaqueará uma vez por ano, soará o gongo a cada século e o cuco sairá a cada milênio. Esse relógio reúne a melhor tecnologia digital e mecânica e terá uma precisão quase absoluta; continuará marcando o tempo muito depois de seu criador e todos nós termos morrido, é um relógio definitivo. Para muitas pessoas parece estranho que um mecanismo marque um tempo que temos dificuldade de assimilar: um tempo extremo.
Contudo, o que ressalta dessas vãs tentativas de controlar o tempo, é nossa submissão à sua transcendência, ele de nós não depende e a nós nada deve, estejamos ou não na face deste planeta azul; o tempo não espera e não apressa, não divide nem soma, não vive nem padece, a despeito de tudo ele simplesmente É. JAIR, Floripa, 24/01/10.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

COM AS MÃOS

TUAREGUE
Óleo sobre tela 70 x 50 cm.
Tema inspirado no livro
"Os sete pilares da sabedoria"
de Thomas Edward Lawrence,
coronel do Exército Imperial conhecido como "Lawrence da Arábia".
Pintar como arte envolve
a criatividade, a técnica
e alguma coisa que se convencionou
chamar de inspiração,
que é apenas o momento adequado,
ocasião em que um certo
estado de espírito provê a decisão
e o empenho necessário
para a confecção da obra.
Produzi esta tela em 1994 e a expus, juntamente com outras,
no Clube Thalia de Curitiba e,
ao contrário das demais,
recusei-me a vendê-la.
Hoje faz parte de meu acervo.




quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

MAQUIAVEL NA PRÁTICA - O TERROR A SERVIÇO DO PODER


Publiquei o texto, “O Monstro”, que descrevia o horror que foi a ditadura de Stálin, do qual reproduzo um trecho: "Todos temiam o ditador e este, como o macho dominante da matilha, tinha que mostrar a própria força – manter o terror no mais alto nível - sob o risco de ser triturado sem piedade pela máquina partidária infernal. O terror estalinista permeava todas as esferas da vida soviética, de modo que agora que os fatos são conhecidos, não se pode negar que estava na mesma categoria de infâmia que as práticas do Nazismo de Hitler.” O texto abaixo é ficcional, contudo, dentro da exata concepção de Poder na qual Stálin acreditava e, mais que isso, praticava: "Apesar de tudo, todos os inimigos – passados, presentes e futuros – devem ser eliminados, e serão eliminados. O maior país socialista do mundo só pode permanecer em pé, inabalavelmente firme, se tiver uma firmeza interna inabalável, esta é a garantia de sua firmeza também no exterior. O Estado tem de ser poderoso se quiser a paz, deve ser temido por todos, amigos e inimigos, internos e externos. Para transformar um país camponês num país industrial no tempo mais curto possível, são necessários esforços materiais e humanos incalculáveis. O povo deve assumi-los. Mas isso não se conseguirá apenas com entusiasmo. É preciso obrigar o povo a fazer sacrifícios. Para isso é necessário um poder forte que infunda pavor ao povo. O pavor deve ser mantido por quaisquer meios, a teoria da luta de classes permanente dá ao Governo (leia-se Partido) os fundamentos para isso. Se na execução dessas medidas morrerem alguns milhões de pessoas, a História perdoará o camarada Stálin. Se, porém, ele deixar o Estado indefeso, o condenará à morte, e a História nunca o perdoará. Um objetivo grande exige uma energia grande, e a grande energia de um povo atrasado só se consegue com uma grande brutalidade. Todos os grandes dirigentes devem ser brutais. As recomendações de Maquiavel: “O poder baseado no amor do povo pelo ditador é um poder fraco, pois depende do povo; o poder baseado no temor do povo diante do ditador é um poder forte, pois depende apenas do próprio ditador”. São observações, teóricas, esquemáticas, que, para serem aplicadas à realidade, devem sofrer adequação. Estável é o poder baseado no medo ao ditador e no amor a ele. O grande governante é aquele que através do medo foi capaz de incutir amor a si no coração do povo. Um amor no qual todas as brutalidades do seu governo, o povo e a História não atribuem a ele, e sim aos seus executores. Em política não há lugar para compaixão. Enquanto um Guia não atinge o poder unipessoal, deve saber convencer, criar nos seguidores a certeza que eles são os verdadeiros formuladores da conduta política, de que o Guia seria apenas o executor das idéias de seus seguidores. Para dominar as massas não bastam discursos brilhantes, é preciso um instrumento, e esse instrumento é o terror. Depois de firme no poder, o Guia deve subjugar os seguidores de primeira hora que podem fazer sombra a ele. É preciso exterminá-los. Entre eles haverá servidores fiéis do passado que se tornam ameaça prejudiciais à causa do Partido. É por isso que é preciso substituí-los. Substituir significa exterminar”. É extremamente difícil contestar essa lógica sanguinária estalinista-maquiavélica. JAIR, Floripa, 07/02/10.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

COMO FABRICAR UMA BRUXA



Os regimes ditatoriais e monopartidários do século vinte, embora de acordo com suas origens, cada um se revestisse de modus operandi diferente, todos tinham características comuns: consideravam inimigos quem a eles se opusesse, sendo que, se não houvesse inimigos eles os criavam. Parece que instituições contrárias a corrente de paz e convivência harmoniosa entre pessoas e povos, mesmo de opiniões diferentes, necessitam de inimigos para mostrar força, poder, eliminando-os. Assim foi o Santo Ofício, ou Inquisição. Empenhada em acabar com a heresia, palavra de significado amplo que abarcava desde pessoas deficientes físicas até malfeitores que, de propósito, ofendessem a religião católica, a Inquisição caçava bruxas, mas, onde não as houvesse, ela as fabricava. Assim, uma vez que a mulher fosse acusada de bruxaria ela ERA culpada, agora cabia aos inquisidores provar sua culpa, ou seja, fabricar uma bruxa através de tortura, para puni-la em seguida. O resultado dessa prática era: a mulher confessa ou não. Se confessar, sua culpa é clara: ela será executada. Qualquer retratação é em vão. Se não confessa, a tortura será repetida – duas, três, quatro vezes. Em crimes “excepcionais”, a tortura é ilimitada em duração, frequência e severidade. Se, durante a tortura, a mulher contorce as feições de dor, acusam-na de estar rindo; se desmaia, é que está dormindo ou enfeitiçou a si própria, tornando-se taciturna. E, se é taciturna, merece ser queimada viva, como aconteceu a tantas que, embora torturadas várias vezes, não se dispuseram a dizer o que os torturadores queriam ouvir. Nesse ponto, até os padres concordam que ela irá para a fogueira obstinada e impenitente; que ela não quis se converter nem abandonar seu íncubo que, segundo antiga superstição, é o demônio masculino que copula com as bruxas durante o sono destas.


Mas, pode ocorrer que ela morra de tanta tortura, neste caso o diabo quebrou seu pescoço, eles dizem. Por isso, o cadáver da pecadora impenitente será enterrado debaixo do patíbulo. Por outro lado, se ela não morre sob tortura, e se um juiz bastante escrupuloso hesita em continuar a torturá-la sem provas, ou queimá-la sem confissão, ela será mantida em cárcere e acorrentada mais severamente, para apodrecer na prisão ou até se render, mesmo que leve anos. Em geral ela morre nessas condições. Ela nunca consegue ver-se livre das acusações. O inquisidor se sentiria miserável, se absolvesse uma acusada; uma vez presa e acorrentada, ela tem que ser culpada, por meios legítimos ou torpes. Enquanto isso, padres ignorantes e teimosos atormentam a infeliz criatura para que ela se confesse culpada, quer isso seja verdade, quer não; se não confessar, dizem eles, não poderá ser salva, nem receber os sacramentos. Os padres mais humanitários não podem visitá-la na prisão, para que não lhe deem conselhos, nem lhe informem quais são os crimes de que é acusada. Nada é mais temido do que a possibilidade de ser apresentada alguma evidência que prove a inocência da acusada. Quem tenta tal coisa é rotulado de suspeito e pode provar do remédio aplicado aos hereges, ou seja, pode ser queimado vivo na fogueira. Enquanto ela for mantida na prisão e torturada, os inquisidores inventam estratagemas inteligentes para criar provas de culpa que a condenem sem sombra de dúvida, para que, ao revisar o julgamento, um juiz secular possa confirmar o castigo de ser queimada viva. Para dar a impressão de muito escrupulosos, alguns inquisidores mandam que a acusada seja exorcizada, transferida para outra prisão e novamente torturada, para quebrar seu silêncio; Se ela continua calada, eles podem finalmente queimá-la. Como aquela que confessa e aquela que não confessa morrem ambas da mesma forma, como pode alguém escapar? Ninguém escapará, pois isso seria uma desgraça para o zelo das instituições católicas e uma fonte a menos de renda para a Inquisição, visto que os bens da condenada revertem à Igreja. Ainda mais, depois que, sob o estresse da dor a bruxa confessa, sua situação torna-se indescritível. Não só ela não consegue escapar de sua situação como é compelida a acusar outras pessoas as quais não conhece, cujos nomes são, frequentemente, postos na sua boca pelos inquisidores crápulas ou sugeridos pelo carrasco, ansioso para faturar mais algumas execuções. Os novos acusados, por sua vez, são obrigados a acusar outras pessoas, que são obrigadas etc. E o processo deve continuar indefinidamente. Não é de espantar que tenham existido tantas bruxas, mais de cem mil foram queimadas e centenas de milhares sofreram outras penas degradantes. A fábrica de bruxas foi uma máquina impositiva da Inquisição para se auto alimentar de riquezas, e para alimentar de carne pecaminosa as fogueiras que purificavam os cânones da igreja católica. JAIR, Floripa 19/01/10.

sábado, 16 de janeiro de 2010

A PRÁTICA DO TERROR



A inquisição era instituição que, para alcançar seus objetivos, quais sejam de conseguir a confissão dos acusados de heresia, usava os métodos e práticas mais cruéis e inomináveis da história. Como eram obrigados a, pelo menos assistir as torturas, senão praticá-las, alguns religiosos se revoltaram a ponto de denunciá-las. Friedrich von Spee era um padre jesuíta que teve a infelicidade de ouvir as confissões das pessoas acusadas de bruxaria, enquanto estas eram torturadas, na cidade alemã de Würtzburg. Em 1631, ele publicou o libelo Cautio Criminalis, que revelava a essência desse terrorismo da Igreja e do Estado contra tantos inocentes. Antes de ser punido, provavelmente com a fogueira, ele morreu da peste – como pároco a serviço dos doentes. Eis um excerto de seu grito de alerta contra esse crime: Entre nós, alemães, e especialmente (tenho vergonha de dizer) entre os católicos, existem superstições populares, inveja, calúnia, difamações, insinuações, e coisas do gênero, que, sem ser punidas nem refutadas, provocam suspeitas de bruxaria. Já não é Deus, nem a natureza, mas são as bruxas responsáveis por tudo. Se delírios de um louco ou rumor malicioso de pessoas mal intencionadas apontam alguma mulher indefesa, especialmente se esta possuir bens, ela é a perfeita vítima da Inquisição e sofrerá por isso. No entanto, para evitar a impressão de que ela é indiciada unicamente com base em rumores, sem provas, obtém-se certa presunção de culpa propondo-se o seguinte dilema: ou ela levou uma vida imprópria e má, ou ela levou uma vida apropriada e boa. Se foi uma vida má, deve ser culpada. Por outro lado, se levou uma vida boa, isso é igualmente condenador; pois bruxas disfarçam e tentam parecer virtuosas. Assim, a mulher é encarcerada na prisão. Encontra-se uma nova prova por meio de um segundo dilema: ela tem medo ou não. Se está com medo (por ter ouvido falar das horríveis torturas que a aguardam), isto é uma prova segura; pois sua consciência a acusa. Se não demonstra medo (confiando na sua inocência), isto também é uma prova; pois a bruxas fingem inocência e são descaradas. Para que essas não sejam as únicas provas, o investigador manda seus bisbilhoteiros, geralmente depravados e marginais, vasculharem toda a vida passada da acusada. Isso decerto acabará revelando alguma frase ou ato, que os homens que tenham essa predisposição podem facilmente alterar e distorcer, transformando-os em evidência de bruxaria. Qualquer pessoa que lhe queira mal tem então ampla oportunidade de levantar contra ela todas as acusações que desejar; e o acusador diz que as evidências são fortes contra ela. E assim apressa-se o caminho à tortura, a menos que, como acontece quase sempre, ela seja torturada no mesmo dia da prisão. Nesses julgamentos, ninguém tem permissão para ter advogado ou outro meio de defesa justa, pois a bruxaria é considerada um crime excepcional (de tal gravidade que todas as regras do procedimento legal são suspensas), e quem se aventurar a defender a prisioneira torna-se ele próprio suspeito de bruxaria – assim como todos que ousarem protestar nesses casos e recomendar que os juízes sejam prudentes, pois eles são de pronto rotulados de defensores da bruxaria. Assim todo mundo se cala por medo. Para que pareça ter uma oportunidade de se defender, a mulher é conduzida perante um tribunal e as indicações de sua culpa são lidas e examinadas – se é que se pode dar a isso o nome de exame. Ainda que ela negue as acusações e responda satisfatoriamente e todas, não se lhe dá nenhuma atenção e suas respostas nem sequer são registradas; todos os indiciamentos retêm a sua força e validade, por mais perfeitas que sejam suas respostas. Ela é mandada de volta à prisão, para considerar mais cuidadosamente se vai persistir em sua obstinação – pois, como já negou sua culpa, ela é obstinada. No dia seguinte, ela comparece de novo perante o tribunal e ouve ordem de tortura – como se ela nunca tivesse refutado as acusações. Antes da tortura, porém, ela é revistada para verificar se não tem amuletos: todo seu corpo é raspado, e mesmo as partes íntimas são lascivamente examinadas. Depois de raspada e revistada ela é torturada para que confesse a verdade – isto é, para declarar o que eles querem ouvir. Eles começam com primeiro grau, isto é, tortura menos severa. Embora de dilatada crueldade, ela é leve em comparação com as torturas posteriores. Portanto, se ela confessa, eles dizem que a mulher confessou sem tortura! Ora, que autoridade pode duvidar da culpa da mulher, quando lhe informam que ela confessou voluntariamente, sem tortura? Assim, sem quaisquer escrúpulos, ela é condenada a morte. Mas teria sido executada mesmo que não tivesse confessado; pois iniciada a tortura, os dados estão lançados; ela não pode escapar, tem forçosamente que morrer". Acho que qualquer comentário meu torna-se desnecessário neste caso. JAIR, Floripa, 15/01/10.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

SALVEMOS A HUMANIDADE!


O Haiti é um dos países mais pobres do Planeta, figura entre os que têm os piores índices de qualidade de vida, juntamente com alguns países africanos. Nasceu de uma rebelião dos escravos da colônia francesa situada na ilha de São Domingos, no final do século XVIII, como conseqüência da Revolução Francesa de 1789, a qual proclamou a emancipação dos escravos. Nessa rebelião destaca-se o líder negro Toussaint L'Ouverture, que, após derrotar tropas da França e Inglaterra, ganhou o domínio da colônia. Quando Bonaparte assumiu, mandou restaurar a escravidão e o envio da força expedicionária francesa comandada por Leclerc. L'Ouverture viria a ser derrotado, aprisionado e morto na guilhotina. Seus companheiros, os jacobinos negros, prosseguiram o combate e conquistaram, em 1804, a Independência definitiva, batizando o País com o nome nativo de Haiti. Da Independência até os dias atuais o país sempre viveu sob crises políticas e surtos de violência que o tornam um dos mais instáveis do mundo também.
O Haiti que é um país no qual 80% da população vive abaixo do nível da pobreza, deixou de ser um país que se autogoverna. O atual presidente, René Préval, é totalmente dependente da ajuda dos organismos internacionais que atuam tentando estabelecer bases econômicas e institucionais. Significativa é a presença de tropas de 11 nações, que tentam impor a lei e a ordem sob o comando da ONU. Os últimos presidentes que governaram como um estado de fato, e até hoje são a única referência que o mundo tem sobre esse país, foram os terríveis Papa Doc e seu filho o gordo Baby Doc. O médico François Duvalier que esteve no poder de 1957 a 1971 é a figura mais famosa de toda história do Haiti. Ditador sanguinário, sua marca registrada foi a criação de uma onipresente polícia especial, subordinada unicamente a ele, os “Tonton macoute”. Morto Papa Doc, assumiu seu filho Jean Claude, figura exótica, gordo, ocioso, certa indefinição sexual. Foi deposto em 1986, fugindo para a Riviera Francesa, onde vive como nababo até hoje.
Hoje, um general brasileiro comanda as tropas da Argentina, Uruguai, Sri Lanka, Brasil, Chile, Peru, Jordânia, Guatemala, Filipinas, Nepal e Equador, num total flutuante de 6.300 homens. Fora da área militar o Brasil tem experiência em campanhas de vacinação para população de difícil acesso, em lugares sem energia onde a conservação das vacinas é difícil. Outra contribuição nossa é o sistema de transferência de tecnologia de produção do caju. O caju é uma importante atividade econômica no norte do Haiti, mas a plantas são velhas e os métodos ultrapassados. O Brasil é grande exportador e estamos introduzindo técnicas modernas e variedades de caju tipo anão, que se tornam produtivos em um ano. O Brasil, junto com a Espanha vem também atuando no reflorestamento. O país é ecologicamente devastado onde não se vê duas árvores juntas. O uso indiscriminado do carvão vegetal como combustível doméstico contribuiu para a extinção das florestas. Nosso exército oferece também apoio médico e educacional para crianças na favela. Hoje, a posição do Brasil em relação ao Haiti, sustenta-se na premissa de que a cooperação técnica deve ser intensificada e vem insistindo junto a comunidade internacional para que isso aconteça, porque se não houver desenvolvimento o país pode voltar ao ponto de partida.
Agora, após esse terrível cataclismo, que provavelmente ceifou a vida de milhares de pessoas, e aproveitando a experiência das tropas brasileiras, se apresenta uma oportunidade de ouro para que as nações do mundo unam-se num movimento de solidariedade jamais visto, movimento que resgatará nossa tão alardeada compaixão pelo próximo. Às ajudas imediatas de comida, medicamentos e abrigos, se deveria seguir um plano mais sólido e duradouro de reestruturar, ou mesmo reconstruir a partir do zero, um arcabouço industrial, escolar, de saúde pública, saneamento, cursos profissionalizantes e segurança que permita ao país seguir com suas próprias pernas. Se a maioria dos países do Planeta, por mais pobres que sejam, movimentar-se nesse sentido será possível, pela primeira vez na história, mostrar que somos humanos e nos preocupamos com os da nossa espécie. Vamos salvar o Haiti e torná-lo um país autônomo economicamente, politicamente saudável e socialmente justo, essa é uma missão que todos nós devemos nos impor. Que salvar o Haiti seja a meta deste milênio. E tenhamos consciência que salvando aquele país estamos salvando a humanidade. JAIR, Floripa, 14/01/10.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

TORQUEMADA - VIDA E MORTE DE UM MONSTRO


Em uma época em que o poder religioso confundia-se com o poder real, o Papa Gregório IX, em 20 de abril de 1233 editou duas bulas que marcam o início da Inquisição, instituição da Igreja Católica que perseguiu, torturou e matou na fogueira milhares de seus “inimigos”, ou quem ela entendesse como inimigo, acusando-os de hereges, por vários séculos. Um dos mais temíveis representantes da Inquisição foi Tomás de Torquemada, figura maldita que serviu de modelo para Sade criar seus personagens degenerados. Parece um caso típico de criatura que superou o criador, neste caso, em crueldade. Padre católico, de vida sexual mal resolvida, - tinha amantes de ambos os sexos e era chegado a uma perversão, inclusive com animais, defuntos e crianças - nascido em Valladolid, Espanha, principal organizador da Inquisição espanhola. De origem judaica e sobrinho do cardeal Juan de Torquemada. Nomeado como inquisidor e prestigiado pela rainha Isabel de Castela, este clérigo psicopata promoveu uma feroz caçada contra bígamos, aleijados, agiotas, judeus, mouros, conversos, bruxas, homossexuais e cegos. Movido por um ódio inexplicável a tudo que não fossem os cânones da doutrina, espalhou terror por toda Espanha, mandou para a fogueira mais pessoas que qualquer um dos demais inquisidores. Instalado em Ávila onde ficou até sua morte, promulgou (1484) os 28 artigos que orientavam os inquisidores no julgamento de crimes contra a ortodoxia da igreja, autorizou a tortura para obter evidências caso o acusado se recusasse a confessar, baseado no princípio que o denunciado era culpado a priori. Célebre pelo fanatismo religioso e desumanidade, seu nome tornou-se símbolo da temível instituição e chegou a ofuscar o poder real. A sua ferrenha atuação acabou fazendo com que sua fama percorresse os quatro cantos da Espanha e inquietou o próprio Vaticano, este preocupado não com a maldade do inquisidor, mas sim que sua fama lhe concedesse poder que viesse a rivalizar com o poder Papal, uma espécie de anticristo espúrio.
Geralmente baseado em denúncias sem qualquer fundamento, oriundas de desafetos ou inimigos pessoais, os investigados eram presos e submetidos a interrogatório nos calabouços da Inquisição. Nos processos da inquisição a denúncia era prova de culpabilidade, cabendo ao acusado provar sua inocência. O acusado era mantido isolado; ninguém, a não serem os agentes da Inquisição, tinha permissão de falar com ele; nenhum parente podia visitá-lo. Geralmente ficava acorrentado.
Enquanto os açoitamentos e torturas eram deflagrados, principalmente em crianças acusadas de bruxaria, Torquemada passava o tempo sussurrando as suas preces e se masturbando, ato sexual que lhe dava prazer, porquanto era tido como molestador de crianças e sádico. Não afastada a hipótese que tinha orgasmos múltiplos. Segundo alguns documentos, os interrogados tinham as unhas arrancadas, a pele marcada com ferro em brasa, os dedos e olhos perfurados, articulações esmagadas, às vezes eram eviscerados vivos. Mulheres acusadas de bruxaria eram despidas e vasculhadas em todos os orifícios para que fossem encontradas marcas de símbolos diabólicos. Os acusados eram submetidos a instrumentos especialmente concebidos para fins de tortura a mais cruel como garrote, máscara da infâmia, esmaga joelhos, pêndulo, mesa de evisceração e outros que hoje são encontrados em museus da Espanha e de outros países europeus. Ao longo de uma vida toda dedicada a esse tipo de atividade, Torquemada acabou sendo visto com certa desconfiança pelos dirigentes religiosos da época. Segundo estimativas, através de seus métodos de investigação, cerca de 8 mil pessoas teriam sido condenadas à fogueira e milhares de outras tiveram seus bens saqueados e foram banidas para sempre. Após ignorar os pedidos de moderação da Igreja, foi afastado de suas funções em 1490.
Quatro anos depois acabou morrendo na clausura de um convento na região de Ávila. Consta que, em seus últimos dias, vagando pelos corredores do monastério como uma alma impenitente, era acometido de delírios onde evocava os nomes de suas vítimas enquanto se masturbava. Se esse degenerado vivesse nos dias de hoje forçosamente seria classificado como serial killer que, por injunções históricas e religiosas, teve nas mãos meios legais e facilidades para dar vazão a seus instintos bestiais; poderia, também, ser comparado a Heinrich Himmler da Alemanha nazista, com o agravante de ter sido pedófilo com grau de perversidade jamais registrado na história. O personagem Jacques, “A besta Humana” de Émile Zola, não passa de uma criança da pré escola que roubou o pirulito de outra, frente a esse monstro inominável. Mas, ainda assim, existem fundamentalistas católicos que desejam sua canonização, consideram-no um santo que depurou a igreja de seus detratores e blasfemos. JAIR, Floripa, 12/01/10.

sábado, 9 de janeiro de 2010

O CALDEIRÃO DAS BRUXAS



No atual milênio em que grande parte das desavenças entre países se atribuí à intolerância religiosa, em particular no oriente médio onde palestinos e israelenses não se entendem e no Iraque onde os EUA, em nome da liberdade, tentam debelar fundamentalistas islâmicos, vale a pena lembrar que a igreja católica “tem culpa no cartório” no quesito intolerância. Em dezembro de 1484, o Papa Inocêncio VIII, obsedado com “demônios” que estavam levando muitas pessoas à heresia e práticas contrárias à doutrina católica, emitiu a bula Summis desiderantes affectibus, onde se concediam todos os poderes à Inquisição para lutar contra a heresia, superstição e bruxaria. Entendendo-se por heresia qualquer desvio das normas do catolicismo, o que na prática, atingia judeus, mouros, convertidos, usurários, bígamos, protestantes, filósofos, ateus, agnósticos, loucos, relapsos, apóstatas, aleijados, cegos, epiléticos, blasfemos, livres pensadores e até pessoas que deixassem de ir à missa por doença, por exemplo. O que ele fez foi sancionar as regras que iam reger a Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício. No Tribunal do Santo Ofício, os processos de bruxaria passaram a ter como documento norteador o Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras), escrito em 1486 pelos frades dominicanos James Sprenger e Heinrich Kramer, a partir do Manual dos Inquisidores elaborado cem anos antes por Nicolás Eymirick. O Martelo das Feiticeiras é uma das páginas mais terríveis do cristianismo. É difícil imaginar que, durante três séculos ele foi a Bíblia do inquisidor, e se transformou no apogeu ideológico e pragmático da Inquisição contra a bruxaria, atingindo intensamente as mulheres, entendendo também que a mulher era muito visada por causa do celibato, considerada a própria tentação para os inquisidores. O que o “Martelo” significa, é que, se uma pessoa for acusada de bruxaria, ela É uma bruxa. A tortura é uma prática infalível de demonstrar a validade da acusação, ou seja, o que o acusado confessar sob tortura É verdade, é válido para os autos do processo. O réu não tem direitos. Não há oportunidade de acareação com os acusadores, até porque o réu não pode saber quem são os acusadores, nem quais são as acusações. Nenhuma atenção é dada à possibilidade de que as acusações sejam causadas por objetivos espúrios como, inveja, vingança ou a ganância dos inquisidores, que rotineiramente, para seu proveito pessoal, confiscavam as propriedades e bens do acusado. Lembrando que a confissão e o arrependimento eram obrigatórios para o acusado livrar sua alma do inferno, mas não o corpo da fogueira, esta se impunha como castigo explícito desde o momento da acusação. A inquisição se tornara um satânico caldeirão das bruxas, onde estas eram imoladas a despeito de sua inocência. Os processos inquisitórios logo se tornaram fraudulentos no item despesas. Todos os custos da investigação, julgamento e execução eram pagos pelos acusados ou seus parentes – até os detetives particulares contratados para espioná-los, o vinho para seus guardas, os banquetes pra seus juízes, as despesas de viagem do torturador; os feixes de lenha, o alcatrão e as cordas do carrasco. Além disso, os membros do tribunal ganhavam uma comissão por cada feiticeira queimada. O que sobrava das propriedades da bruxa condenada, se ainda houvesse alguma coisa, era dividido entre a Igreja e o Estado. Quando esse assassinato e roubo em massa, legal e moralmente sancionados, se tornaram institucionalizados, quando surgiu uma imensa burocracia para servi-los, a atenção se desviou das velhas megeras pobres para os membros das classes médias e altas de ambos os sexos. Para a Igreja, a prática se tornou uma fonte de renda que a tornou poderosa até hoje. Latifúndios, castelos, casas, hospedarias, feudos, muito ouro, pedras preciosas e jóias, e até importantes centros urbanos tornaram-se propriedade da Igreja em nome da pureza de seus princípios. Calcula-se que, em três séculos, mais de cem mil mulheres tenham sido queimadas nas fogueiras purificadoras do Santo Oficio. Centenas de milhares de outros acusados sofreram penas menores como, banimento perpétuo depois de serem depenados de seus bens; uso de sambenito - roupa em forma de saco vestido pela cabeça com inscrições difamatórias e humilhantes nas costas e na frente; e escravidão vitalícia extensiva a seus descendentes. A idade das condenadas variava desde meninas de nove anos ou menos até avós de mais de oitenta, e torturas as mais horrendas eram aplicadas a todas as rés, jovens ou velhas, depois que os padres abençoavam os instrumentos de tortura. Nos julgamentos das bruxas, evidências atenuantes ou testemunhas de defesa eram inadmissíveis. Por exemplo, mesmo que o marido atestasse que sua mulher estava dormindo nos braços dele no exato momento que era acusada de estar praticando bruxaria, o inquisidor alegava que um demônio tomara o lugar da mulher. E a fogueira assava mais uma vítima inocente para gáudio da Igreja. Puniam-se os que criticavam a morte das bruxas na fogueira e, em alguns casos, eles próprios eram queimados. Os inquisidores e torturadores estavam fazendo a obra de Deus. Estavam salvando almas. Estavam derrotando os demônios. O Papa Inocêncio morreu em 1492, após tentativas frustradas de mantê-lo vivo por meio de transfusões - que custaram a vida de três meninos, - e amamentação no peito de uma ama-de-leite. Foi pranteado pela amante e pelos filhos de ambos. JAIR, Floripa, 09/01/10.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O NASCIMENTO DA CIÊNCIA

A jornada da ciência desde suas origens começou a 2500 anos, no local que se convencionou chamar de Ásia Menor. Não que outras civilizações não tenham existido antes, por milhares de anos as civilizações do Egito e da Mesopotâmia existiram e deixaram um legado de objetos e construções que perduram até hoje, apenas esses povos não se preocuparam em cogitar o que existiria além do horizonte conhecido. Quando os estudiosos decodificaram os escritos e artefatos desses povos verificaram que se tratava de listas de afazeres cotidianos, certificados de propriedades de terras e registro da vida de seus soberanos, nada que indicasse teorias científicas ou pensamento abstrato. Mesmo que admiremos a grandiosidade das pirâmides, nada sabemos sobre suas construções, a tecnologia empregada não foi preservada em escritas hieroglíficas, mas as guerras travadas e o dia-a-dia dos Faraós o foram. Já com os gregos a coisa era bem diferente. Comerciantes e navegadores, em função dos negócios eram permeáveis a ideias novas e viam o mundo de modo bastante original, concebiam um universo diferente da imagem aceita tradicionalmente. Os povos antigos não tinham capacidade de síntese mental para interpretar a natureza, então aceitavam o mundo que os cercava como o viam, até porque o ato de sobreviver lhes tomava tanto tempo que pouco lhes sobrava para cogitações abstratas. Para eles uma rocha era uma rocha, uma flor era uma flor e uma estrela era uma estrela, nada mais. A partir do século sexto antes de Cristo, diversos filósofos gregos formularam audazes especulações sobre o mundo natural. Tales supôs que a fonte original de todas as coisas fosse a água, substância da qual todos os elementos teriam surgido.


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Enquanto isso, Pitágoras e seus discípulos, manipulando os números, inventaram os fundamentos da geometria. Pitágoras via a matemática como regendo a mecânica universal. O Sol, a Lua, os planetas e as estrelas moviam-se lá no alto em esferas transparentes em perfeita sincronia. Ele também achava que a Lua brilhava porque refletia a luz do Sol. A geometria tornou-se tão importante que Platão, quando fundou a primeira universidade, colocou na entrada: “Que entrem apenas geômetras”. Ainda que Platão nos tenha legado a esdruxularia chamada Atlântida, foi o filósofo que mais insistiu no método do pensamento, na forma correta de enfrentar o problema e encontrar a solução por dedução lógica. Outra ideia grega de profundas implicações para o nascimento da ciência foi o “Atomismo”. Proposta por Leucipo, foi desenvolvida por Demócrito. Supunha que ao reduzir-se um objeto, através de cortes sucessivos, a pó, chegava-se na substância do objeto: algo irredutível que ele chamou de átomo. Embora saibamos que o átomo não é indivisível, a ideia que tudo que existe é composto por átomos persiste até nossos dias como uma certeza tão absoluta quando pode ser dois mais dois igual a quatro. O Atomismo deu azo à especulação sobre haver vida fora da Terra. Anaxágoras achava que os demais corpos celestes eram feitos das mesmas matérias que existiam na Terra, então por que não acreditar que poderia se desenvolver vida extra terrena? Demócrito foi mais longe, teorizando que na Lua existiam montanhas e vales e que a Via láctea era um aglomerado de estrelas. Aristarco, presumindo que o brilho da Lua era reflexo do Sol, usou a sombra curva da Terra durante um eclipse lunar para medir o tamanho da Lua e da Terra. É de Aristarco também a primeira teoria heliocêntrica, isto é, que o Sol é orbitado pela Terra e não o contrário. Arquimedes chegou a usar o modelo heliocêntrico de Aristarco para calcular a quantidade de matéria do Universo numa obra chamada “O contador de areia”. Claro que essas ideias radicais nem sempre eram aceitas, o mais das vezes eram vistas como ameaça a ordem social e seus formuladores tratados como subversivos. Pitágoras e seus discípulos foram perseguidos no território grego por manter um “culto” em que a matemática era um código secreto. Anaxágoras foi banido por irreverência, ao afirmar que o Sol era tão grande como a Grécia. Hipácia, a geômetra, foi esquartejada, acusada de intrigas políticas. O pensamento grego estava muito à frente de sua tecnologia. Eles não tinham, infelizmente, ferramentas para testar suas teorias e hipóteses. Entretanto, seu instinto precoce de pensar o Universo na sua complexidade e formular conjeturas a respeito de sua forma atual, como também de seu passado, foi a mola mestra que impulsionou o pensamento humano na direção da boa ciência. No frigir dos ovos, tudo que se descobriu, formulou, inventou, teorizou ou se compôs em nome da ciência, veio da semente grega que nos ensinou a pensar. JAIR, Floripa, 06/01/10.

domingo, 3 de janeiro de 2010

A MARAVILHOSA CIÊNCIA



Desde o século dezenove quando a ciência, conspirando com a realidade dos fatos, impôs suas verdades frente ao obscurantismo que impregnava a sociedade apegada a dogmas religiosos e superstições, que o mundo não é o mesmo. A partir do momento que a ciência tornou-se aceita, existe, à disposição daqueles que tiverem interesse, todo um universo de meios pelos quais é possível investigar os fenômenos e trazer à luz novas leis, teses, teoremas, hipóteses e conjeturas que venham enriquecer os conhecimentos que temos do mundo no qual vivemos. A ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento. É apenas o melhor que dispomos. Neste aspecto, como em alguns outros, ela se parece com a democracia. A ciência, por si mesma, não pode defender linhas de ação humana, isto é, não é parcial, não se presta para justificar o uso que se faz de suas descobertas, por exemplo. Assim, se ela descobre os princípios que tornam possível a confecção de uma bomba nuclear, não é a ela que se deve imputar o emprego dessa mesma bomba. Esse uso é político, por assim dizer. Entretanto, é bom que se esclareça, a ciência pode iluminar os possíveis efeitos das linhas alternativas de ação que o homem tome. A ciência nos convida a dar crédito a fatos, mesmo quando eles não se ajustam às nossas concepções. Aconselha-nos a considerar hipóteses alternativas em nossas mentes, para ver qual se adapta melhor à realidade. Presta-se como ferramenta do cético, do inconformado, do curioso e não daqueles habituados a certezas inquestionáveis. Na verdade, a ferramenta ciências, nos impõe um equilíbrio delicado entre uma abertura sem obstáculos a ideias novas, por mais heréticas que pareçam, e o exame criterioso de tudo, de acordo com o conhecimento já estabelecido. Uma das razões para o sucesso da ciência é que ela tem um mecanismo de correção de erros embutido em seu próprio âmago. Ela se questiona o tempo todo, não há verdade absoluta a não ser na matemática pura. Todas as leis estabelecidas por ela estão sujeitas à contestação sempre que surjam fatos novos que a justifiquem. Ao contrário dos dogmas religiosos, cujos enunciados não permitem questionamentos, dúvidas e contestações, a ciência é muito simples e aberta a novas ideias e modos de interpretar os fenômenos os quais explica ou equaciona. Toda vez que um artigo científico apresenta dados originais, eles vêm acompanhados por uma margem de erro – um lembrete que nenhum conhecimento é completo ou perfeito. Se as margens de erro são pequenas, a acuidade das assertivas é elevada; se são grandes, a incerteza é enorme. Contudo, são justamente as margens de erros que incrementam a credibilidade da ciência, ela é tão sólida nos seus fundamentos, tão imparcial, que se dá ao luxo de expor, sempre que houver, um flanco vulnerável onde é possível opor-se a ela nos seus próprios termos.

Os seres humanos podem ansiar pela certeza absoluta; podem aspirar alcançá-la; podem fingir, como o fazem os partidários de certas religiões, que a atingiram. Mas a história da ciência – de longe o mais bem sucedido conhecimento acessível aos humanos – ensina que o máximo que podemos esperar é um aperfeiçoamento de nosso entendimento, um aprendizado por meio de tentativa e erros, uma abordagem menos desviante da anterior, mas com a condição que a certeza absoluta sempre está um pouco aquém da fímbria do horizonte. Virtualmente alcançável, portanto. Me perdoem os místicos, profetas, teólogos, supersticiosos, ufólogos, poetas e sonhadores de toda espécie, mas, se algum dia houver respostas para as perguntas que afligem a humanidade; se a verdade última for alcançada, esta será através da ciência, da maravilhosa ciência, não há escapatória. JAIR, Floripa, 02/01/10.

sábado, 2 de janeiro de 2010

O HOMO SAPIENS E OS DESAFIOS



Quando o homem, lá nos primórdios, iniciou a longa jornada de ocupação do Planeta teve que enfrentar obstáculos que esse perigoso percurso apresentava. Tem fundamento supor que, no início, as dificuldades para conseguir alimentos, abrigo contra intempéries, defesa contra animais hostis, bem como tranquilidade para procriar, eram diárias e consumiam muita energia daqueles primitivos. Tudo estava por ser feito, inventado, descoberto, nada lhe auxiliava a existência, provavelmente, quando não estava dormindo, o homem estava empenhado full time na luta infindável de sobreviver numa natureza que não lhe facilitava a vida. Não é estultice deduzir que se o homem dormia oito horas, as outras dezesseis as usava procurando sobreviver. Sem dúvida, “A necessidade é a mãe da inventividade”, fez com que o homem se visse obrigado a desenvolver meios que facilitassem suas lidas diárias e, por consequência, ter mais tempo para usar seu privilegiado cérebro. Foi no fabrico de instrumentos que o ser humano se distinguiu definitivamente dos outros animais, porque, do mais simples ao mais complexo, o fabrico de utensílios implicava a previsão de uma necessidade de que só o homem era capaz. Esta capacidade estava, naturalmente, ligada com as suas primeiras atividades que eram a coleta de frutas e raízes, a caça, a pesca e também certas manifestações decorativas e artísticas. Os primeiros instrumentos eram pequenos seixos de pedra quebrados de forma a ficarem com uma face com arestas cortantes. Contudo, quanto mais objetos utilizava na consecução de seus afazeres, mais tempo lhe sobrava, o que era bom. Agora com instrumentos rudimentares, mas muito úteis, o homem passou a fabricar armas como, maças, porretes, lanças, objetos de cerâmica, flechas e facas que lhe serviam para caça, pesca e defesa contra tribos rivais e predadores. Além disso, há quinhentos mil anos o homem aprendeu a utilização do fogo, daí podendo assar, cozinhar, moquear e defumar alimentos não mais dependia da caça ou coleta diária, podia armazenar para períodos de menos abundância e lhe sobrava tempo para outras atividades. A marcha inexorável rumo à civilização forçou a criatividade humana a desenvolver meios e objetos cada vez melhores e mais hábeis no sentido de lhe facilitar a vida e convidá-lo a obter maior tempo ocioso. Com o advento da roda, vieram os meios de transportes terrestres, as primeiras engenhocas, moinhos, mecanismos simples, máquinas de arar, plantar e colher. As máquinas a vapor e a eletricidade trouxeram a revolução industrial, que permitiu à maioria das pessoas gozar de benefícios que antes eram desconhecidos a qualquer homem, e de aproveitar o conforto, conveniência e mesmo de luxos antes privilégio de reis, das cortes e de senhores feudais. A mecanização da agricultura, os transportes marítimos e ferroviários, os eletrodomésticos e o ócio aumentaram na mesma medida que as ocupações lhe exigiam menos esforço físico e mais uso do intelecto. Agora havia um excedente de produtos e tempo graças aos inventos humanos, mas o ímpeto de conquistar coisas, de lutar pelo que se deseja, de superar obstáculos, de gastar energia muscular, continuava existindo e inquietava os humanos. O homem que havia conquistado tanto se sentia meio desolado, lhe faltava o desafio que injeta adrenalina no sangue. Que fazer? Foi aí que começaram as aventuras, cujas finalidades eram canalizar energia acumulada conquistando objetivos difíceis, perigosos ou trabalhosos. Navegar grandes distâncias, nadar, correr, transpor desertos, adentrar florestas, descobrir ilhas, subir montanhas, nada mais são que exercícios para substituir os antigos desafios que a sobrevivência exigia, por atividades lúdicas e esportivas que, de algum modo, despendem a energia acumulada.


Hoje, nos países pós industriais, a ociosidade por conta do grau de otimização das atividades é tanta, que se não houver uma válvula de escape para os humanos direcionarem suas energias, é possível que se sintam inúteis, entediados, depressivos e cheguem até ao suicídio, há indícios que indicam essa tendência. Então, em nome dos desafios, das conquistas, para preencher o tempo ocioso e para benefício da saúde mental, faz todo sentido do mundo, nas horas de lazer, os indivíduos procurarem suas aventuras onde normalmente não exercem suas atividades. Então, nada mais normal que um variante do homo sapiens, o homo enfurnatus, mineiro de carvão que trabalha centenas de metros abaixo do solo dedique-se, nas horas vagas, a desafiar, agarrado como um improvável homem-aranha, penhascos verticais assustadores que se elevem a centenas de metros acima do solo. Ou, pelo fato de passar grande parte da vida sob o elemento terra, aprecie hobbies no elemento água como, mergulhar e navegar. Também, faz todo sentido do mundo, que outra variedade do sapiens o homo corporativus, o qual durante muitas horas diárias fica confinado numa sala, compenetrado, com vários de seus iguais, conquiste espaços abertos em regiões desérticas, com horizontes amplos, em contato apenas com o que a natureza oferece, sozinho com seus pensamentos e divagações; que prefira mergulho em águas profundas para sentir-se longe de todos e ligado a uma natureza totalmente contrária àquela na qual vive. JAIR, Floripa, 01/01/10.