quinta-feira, 20 de maio de 2010

BARCOS


Vista parcial de marina de Point Loma


(Navegar não é preciso)

Estou hospedado num hotel em Point Loma, península que adentra a baía de San Diego, frontal a ilha Coronado, local onde se situa importante base aero naval dos marines americanos. Base que hospeda três super porta-aviões, um dos quais vi sair para o mar hoje, possivelmente para manobras ou para uma dessas guerras que o país está envolvido. O espaço entre a ilha e a península é de mar calmo e abrigado o que, naturalmente, nos faz imaginar intenso tráfego marítimo nestas águas. Ledo engano, as águas calmas e abrigadas, pelo que pude observar, só são singradas por navios militares e uns poucos comerciais.

Desde o primeiro momento, o que me chamou atenção de modo gritante, foi a quantidade de barcos que povoam as dezenas de marinas da área. É quase impossível descrever a densidade do universo marítimo à minha vista, os mastros formam uma espécie de densa floresta de troncos desfolhados. Estou literalmente embasbacado com as dezenas de milhares de barcos, pequenos médios e grandes estacionados, encostados, parados, fundeados, amarrados, estaqueados, ancorados, apoitados nos cais e ancoradouros em toda a orla da península. Fica-se com a impressão de grandes pátios de shoppings abarrotados de carros aí no Brasil, só que aqui são barcos. Tantos, tão alinhados, tão conservados, tão parados que deixam uma impressão um pouco estranha.

Milhares de embarcações suscitam o aparecimento de fortíssimo comércio voltado para atividades de pesca, esportes e vida no mar, são centenas de lojas pequenas e grandes que vendem todo tipo de parafernália que atendem esse universo, diga-se, lojas bem frequentadas por marinheiros e gente afeita as fainas marítimas. Contudo, pela limpeza e impressão geral de ordem, nada que lembre ambientes portuários brasileiros. Vê-se, a todo instante, os barcos sendo retirados da água para manutenção, pintura, limpeza, polimento, conserto, estocagem e otras cositas mas, mas, em nenhum momento consegue-se vê-los navegando.

Aí é que está o xis da questão, os barcos daqui são adquiridos para se TER, e não para usar; para serem admirados e curtidos, não para se navegar. O proprietário do barco o tem para equipá-lo com os últimos gadgets eletrônicos, por status, ostentação, gasto com manutenção, pagamento de impostos e de aluguel na marina, formação de empregos e para trocá-lo de tantos e tantos meses, não para navegar, pois isso é coisa de marinheiro.

Provavelmente, a última aquisição do americano feliz, será motivo para conversa entre amigos; objeto de vídeos e fotos para decorar lareiras e apresentar aos conhecidos; prova evidente de sua capacidade aquisitiva; e, mais que tudo, motor de uma economia que se move exclusivamente pelo consumismo desenfreado. Enquanto compra-se, mais a indústria produz, mais empregos são gerados e mais impostos o governo arrecada. Então, sinceramente, navegar é preciso?

É dedutível que um típico dono de embarcação, que já gastou milhares de dólares e trocou de barco três ou quatro vezes nos últimos cinco anos, ao ser interpelado por um curioso inocente sobre quando navega, navegou ou pretende navegar, sair-se com resposta mais ou menos assim: “ Hey man, are you crazy? Boats are not made to be sailed!”.

Para nós, tupiniquins, parece um pouco estranho que barcos tenham outra finalidade que não sair flutuando por aí. Mas, como se trata de americanos cheios da grana e um pouco exóticos para nossa cultura, tudo é admissível. JAIR, San Diego, 20/05/10.

2 comentários:

R. R. Barcellos disse...

Por isso é tão difícil afundar a economia deles... não há torpedos suficientes.

Leonel disse...

Realmente estranha essa compulsão americana de ter barcos somente como símbolo de status, quadrinho obrigatório a ser preenchido!
Coisa parecida também ocorre com as piscinas.
Seria interessante para o planeta se eles fizessem o mesmo com os automóveis!