sábado, 28 de agosto de 2010

E aí, irmãos Coen, cadê vocês?


O nome filme, no melhor inglês shakespeareano, é "O Brother Where Art Thou?", traduzido para o bom português do Pindorama como, “E aí, meu irmão, cadê você? Os irmãos Coen (Joel e Ethan) assinam a direção e George Clooney no papel de Everett, um fugitivo acorrentado a outros dois companheiros de infortúnio, (John Turturro e Tim Black Nelson) está impecável, canta e dança como nunca o fez em qualquer outro filme. A estória foi, por estranho que pareça, baseada na Odisséia de Homero. Na Odisséia, Ulisses está voltando para o lar depois de ter participado da queda de Tróia, e leva dez anos até chegar a sua terra natal, Ítaca. Devido sua ausência, presume-se que tenha morrido e sua bela mulher, Penélope, é assediada por pretendentes.

Os irmãos Coen, cuja filmografia extensa inclui “Onde os fracos não têm vez”, “Arizona nunca mais” “Um homem sério”, “Queime depois de ler”, “Ajuste final” e outros ícones do cinema, se superam desta vez.

A estória se situa no meio oeste americano em plena Grande Recessão e, basicamente, o filme é uma belíssima peça musical adornada com personagens de carne e osso que se vêem frente a situações oníricas, inverossímeis, mas carregadas de graça. A trilha sonora é o produto principal da estória e o roteiro serve de pretexto para sua apresentação. Cada personagem é extensamente explorado e nos lembra os dias em que os filmes eram ricos em atores-personagem cujas aparências se confundiam, tipo: John Wayne-caubói, onde um e outro eram o mesmo. Everett, o personagem de George Clooney, usa vocabulário meio empolado, o que lhe confere um ar cômico e mesmo cativante, além disso, costuma melecar o cabelo com espécie de brilhantina o qual envolve numa rede para dormir. É fissurado pelo penteado emplastado daquela goma.

Os três fugitivos, supostamente estão indo ao encontro de um tesouro, mas na verdade foram enganados por Everett, que quer mesmo é rever a mulher, Penny (Holly Hunter) que está prestes a se casar, e suas seis filhas, que acham que ele foi atropelado por um trem.

Nessa “odisséia”, um ritmo de aventura marca o começo da história, que logo vai ganhando dramatismo, quando eles, depois de encontrarem um cantor que vendeu a alma ao diabo, tornam-se cantores populares de uma pequena rádio. Mesmo "líderes das paradas", fogem, estão sendo perseguidos pelo meio enigmático xerife Cooler. Daí, fugindo do xerife e da cadeia, perseguindo o sonho de um tesouro e a família de Everett, se metem em encrencas onde aparecem, numa das melhores cenas do filme, três sereias lavando roupa no rio, um vendedor ambulante canalha, um assaltante de banco trapalhão, rituais da Klu Klux Klan, políticos em campanha onde não falta um cabo elitoral anão, e por aí vai. O humor fino que permeia a trama é marca registrada dos irmãos Coen, nada a ver com as obviedades de filminhos “American pie” onde piadas grosseiras e situações forçadas tentam arrancar gargalhadas dos espectadores. Os Coen agradam pelo lirismo e esperam um riso sereno de cada um. A parte técnica do filme é impecável. Se há algo errado com ele é sua não indicação para Oscar de melhor filme, e não ter ganho o Oscar de melhor trilha sonora.

Recomendo, não só por causa da atuação do George Clooney, mas porque os Coen conseguiram fazer o melhor filme de sua profícua carreira, quem assistir verá. JAIR, Floripa, 28/08/10.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Cada um no seu quadrado






No atávico confronto entre as idéias da ciência e os dogmas da religião, com frequência, surge a acusação que os cientistas tiraram Deus das pessoas e não ofereceram nada em troca. As indagações mais racionais que os crentes em uma entidade superior fazem são: Se tudo pode ser explicado pela razão; se tudo pode ser compreendido por mecanismos lógicos de causa e efeito, onde cabem as emoções como nossa capacidade de amar, sentir dor, desespero e solidariedade? A ciência pode fornecer meios que combatam nossas dúvidas existenciais, como a religião o faz? Se não há vida depois da morte, o que a ciência nos oferece? Então, a alma não existindo, o que nos diferencia dos outros animais? Somos apenas um acidente de percurso de uma evolução cega não programada?

Realmente, se encaradas assim sem maiores reflexões, essas perguntas parecem perturbadoras. Se adorarmos a ciência e a colocarmos no altar, ela estará substituindo Deus ou qualquer entidade que represente algo místico que preenche as lacunas onde a ciência não alcança, ou não alcançou ainda. Essa perturbação da ordem, (vamos chamá-la assim) tem dois aspectos relevantes que devemos considerar: Grande maioria, mas grande maioria mesmo, dos homens de ciência acredita numa entidade superior, apenas não mistura suas convicções religiosas com suas pesquisas que adentram os mecanismos que a natureza usa para ser o que é; além disso, nosso cérebro é constituído de dois hemisférios que tem funções distintas, o lado esquerdo desenvolve raciocínio lógico, faz contas e deduções a partir de dados; o lado direito é lírico, emocional e criativo, não está preocupado com resultado da soma dois mais dois, mas gosta de poesia e arte, além de acreditar em coisas místicas.

Assim fica fácil entender que sempre existiu e sempre existirá a dualidade entre querer compreender o que se passa e atribuir o obscuro, o misterioso a algum ente de poderes superiores e não questionáveis. Alguns poucos privilegiados conseguem ser técnicos excelentes e fazer boa poesia, ter sensibilidade para música (meu amigo RRB sabe de quem estou falando) e usar o lado do direito do cérebro tanto quando o esquerdo. Mas nós, bilhões de simples mortais, não temos tal habilidade, portanto, estamos sujeitos a “embolar o meio de campo” e, onde a lógica não nos atender, passamos a bola ao inexplicável da silva a quem damos nome de Deus, ás vezes.

Tenhamos em mente que a ciência é um método de adquirir conhecimento, de descobrir regras e diretivas da natureza, não é um substituto de Deus, não exige veneração nem fé, o que não se coaduna com as teorias e fórmulas não deixa de ser cada vez mais estudado e analisado. Já a religião, desde tempos imemoriais, explora o ignoto e o medo do escuro dos homens, não tenta explicar o inexplicável, apenas gera conforto onde há angústia e traz esperanças aos desesperados. A ciência explica o passível de ser explicado e não se mete na religião, segue paralela às crenças e, quando as confronta, é apenas para aclarar alguma coisa bastante simples, exemplo: o mundo não foi feito em seis dias, não há base que sustente essa proposição.

Não há necessidade de um propósito divino para justificar a busca que ciência faz pelo conhecimento. A ciência sempre será instigante e maravilhosa, e tem a humildade de se saber limitada, incompleta, sempre buscando algo mais, mas nunca supondo que alcançou o zênite. A ciência é mestre em construir modelos que se aplicam à natureza e aumentam o conhecimento que temos dela. A ciência é excepcional em argumentar, fazer perguntas depois tentar respondê-las, nunca se furta a tentar, experimentar e divulgar o que descobriu. A religião faz parte de outro departamento da mesma empresa, não deveria confrontar a ciência, pois estaria “jogando contra” e, desse modo, diminuindo a eficiência da empresa humanidade.

E a alma? E a vida eterna? E as angústias e medos? Ora, esse é o departamento das religiões, e a ciência nada tem a dizer, por enquanto. Como diz aquela música: Cada um no seu quadrado. JAIR, Floripa, 27/08/10.