sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Uma história nada edificante



Quando os bombardeios americanos sobre o Japão causaram os maiores estragos na economia e a comida começou a faltar, o exército japonês decretou que o zoológico de Ueno em Tóquio era supérfluo, deveria ser fechado. Cortaram todos os suprimentos para os animais. Os tratadores receberam ordens de sacrificar todos os bichos que representassem alguma possibilidade de lucro. Ou seja, partes de animais como cobras e tigres, por exemplo, eram verdadeiras preciosidades, seus dentes e ossos podiam ser vendidos a peso de ouro para atender uma medicina popular tradicional, sem contar que as peles da maioria dos animais exóticos eram valiosas e suas carcaças representavam fontes de proteínas. As autoridades ordenaram a matança a golpes de espadas, por tiros ou veneno. As carcaças e peles dos animais “aproveitáveis” foram levadas pelo exército, os demais foram descartados num aterro sanitário, com exceção de três elefantes amestrados, John, Tonki e Wanli.

O marechal que havia ordenado o morticínio, entendendo que havia uma forte ligação entre os tratadores e os elefantes, e que os elefantes eram animais muitos inteligentes, inferiu, por uma lógica nem um pouco inteligente lá dele, que os animais deveriam morrer de fome e que os tratadores deviam viver com os animais no zoo abandonado e vê-los definhar até a morte. A ligação elefante-tratador sendo tão íntima traria, com certeza cartesiana, uma lição a ser entendida, no entendimento do comandante militar da capital. Aos tratadores não foi permitido o uso de quaisquer armas para abater os animais, soldados cuidavam para que a ordem do marechal fosse cumprida à risca.

Os pobres tratadores desde o começo das privações alimentares, ou seja, desde o começo da guerra, haviam plantado uma pequena horta no próprio zoo, de onde tiravam seu magro sustento. Diante do sofrimento dos animais depois do decreto do marechal, resolveram repartir seu alimento com eles, fora das vistas dos soldados que os vigiavam. Esse apego e sacrifício dos homens, na melhor das hipóteses, somente prolongaram a agonia dos animais, meia batata doce por dia não alimentava o elefante, apenas adiava sua morte e prolongava o sofrimento, mas sua falta poderia ser fatal aos homens. E o marechal a tudo observava e tirava ensinamentos. Os treinadores e cuidadores ouviram que seu sacrifício era pequeno em comparação ao que os soldados nas ilhas mais distantes estavam passando: “Porque isso é o que significa ser um verdadeiro filho do imperador”.

O elefante mais novo, John, depois de dezessete dias, morreu de inanição. Por dedução lógica e fria, tanto homens como elefantes podiam viver três minutos sem ar, três dias sem água e três semanas sem comida, essa era a matemática que movia o marechal na busca da epifania que lembrasse aos homens sua mortalidade e que suas vidas pertenciam ao império e este podia delas dispor a seu talante.

Quando chegaram à terceira semana de inglório sacrifício, dos dois restantes elefantes só se notavam as enormes orelhas adornando corpos esqueléticos. E, como um dos tratadores relataria mais tarde, quando ele se aproximava da jaula, Tonky e Wanli se erguiam nas patas traseiras com as trombas levantadas, os olhos ainda amorosos parecendo implorar: “Por favor, dê-nos algo para comer”.

Àquela altura, os próprios treinadores e cuidadores estavam à beira da morte, mas, quando os soldados se distraíam eles ainda davam parte de suas magras rações aos amigos elefantes. O sacrifício estava conduzindo todos à morte, os homens começavam a questionar sobre a inutilidade e estultice desse gesto que, na ótica do marechal, era um exemplo de nobreza de propósito.

Os dois animais restantes demoraram mais de um mês para morrerem. Quando o treinador chefe os descobriu mortos na jaula eles estavam em pé, com as trombas levantadas num gesto chamado banzai que haviam aprendido, parecia estarem demonstrando o truque para serem recompensados com alimento como era o costume.

A lição que se tira deste lamentável acontecimento é que o fanatismo, qualquer cor ideológica que tenha, é a manifestação mais repugnante e abominável que o ser humano pode desenvolver, o fanatismo distorce o sentido das prioridades, converte idéias em axiomas em prol de metas em que o homem, ao invés de fim é o meio para se alcançar objetivos escusos ou inconfessáveis. O nome do marechal não consta em nenhuma referência sobre o episódio, provavelmente foi legado à lata de lixo da história juntamente com outros monstros que, em nome de doutrinas, tripudiaram sobre animais e outros seres humanos. Diante dessas abominações é difícil acreditar que a humanidade, algum dia, vá se redimir e se tornar digna de viver neste adorável e acolhedor planetinha azul. JAIR, Floripa, 10/12/10.

2 comentários:

R. R. Barcellos disse...

- É por essas e outras que esse adorável planetinha azul fica cada vez menos azul, menos adorável e mais "planetinha"...
- Bom saber dessas coisas, para avivar-nos a gana de lutar contra elas. Talvez não vençamos, mas podemos ao menos buscar um equilíbrio de forças.
- Valeu, amigo. Um abraço!

Leonel disse...

Jair, infelizmente, crueldades e atos covardia contra os pobres animais não são apenas fatos históricos, eles continuam ocorrendo dia-a-dia no presente.
Ontem mesmo eu vi um "cidadão" chamado Mohoumed ou coisa assim que, porque não arranjou emprego, resolveu descontar dando pontapés num pobre cão labrador de 6 meses, e o chutou escada abaixo no prédio onde morava, na Inglaterra! O fato foi filmado pela camera de segurança. Eu nem quis ver o filme, porque os sentimentos e pensamentos que tive só de saber disto devem ter atrasado a minha evolução espiritual em uns cem anos!