quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A harpa do Demônio

A belicosidade do homem o acompanha desde suas primeiras formações sociais como aldeias e clãs que visavam, antes de tudo, a segurança individual através da união de semelhantes contra potenciais inimigos, animais ferozes e ambientes hostis. Obliquamente à segurança maior, surgiram armas cada vez mais letais que diminuíam as chances de sobrevivência tanto do ofensor como do ofendido. Pedras, paus com pontas afiadas, arcos, flechas, lanças, bordunas, bestas, e com o advento da pólvora, bombardas, bacamartes, canhões, fuzis, pistolas, armas automáticas e artefatos cada vez mais sofisticados elevaram a triste arte de matar a patamares sequer imaginados por aqueles primeiros Homo que se valeram de pedras para atacar seus semelhantes.

A história do homem sobre o Planeta é a história das guerras, não há lapsos significativos na longa marcha das sociedades rumo ao presente, em que povos, nações, etnias, países ou impérios permaneceram em completa paz mais tempo do que em guerras. Por outro lado, a história das guerras é a história das armas, campanhas, batalhas e combates importantes das guerras forneceram informações ou subsídios para que, militares, cientistas e engenheiros aperfeiçoassem as existentes ou criassem novas armas durante a paz para serem usadas na próxima guerra. Ainda que a paz seja o objetivo declarado de praticamente todas as sociedades desde o início da civilização, é a guerra que consome mais energia, recursos e criatividade dos homens; é a guerra que transforma mais profundamente e de modo mais duradouro a geopolítica e a relação entre nações. As feições das fronteiras nacionais são, em geral, traçadas pelos conflitos armados ou, em tempos de paz, por acordos impostos pelo mais forte sobre o mais fraco, para evitar guerras. As armas, passo-a-passo com a civilização, são os instrumentos de uma grande orquestra que toca a melodia da morte, a grande orquestra é a guerra.

As histórias sobre a segunda grande guerra não dão importância à batalha de Bryansk, porém, foi nessa batalha que um comandante de tanque russo chamado Mikhail Kalashnikov decidiu que seus camaradas nunca mais seriam derrotados por tropas estrangeiras. Logo após o término da guerra ele estava concebendo e fabricando uma arma tão simples e tão revolucionária que iria mudar a maneira de fazer guerra dali em diante. Mikhail, nascido em novembro de 1910, era curioso, diligente e tinha muita habilidade manual, fora treinado no intervalo entre as guerras para ser mecânico de locomotivas e, nesse mister, tornara-se extremamente competente. O que causou a epifania de Kalashnikov durante a batalha de Bryansk foi o emprego pelos alemães da metralhadora portátil MP40, também conhecida por Schmeisser em homenagem ao seu projetista, Hugo Schmeisser. Ferido pelos alemães, Mikhail passou meses em um hospital, foi dispensado da guerra por causa da gravidade dos ferimentos, voltou à oficina da estrada ferro onde trabalhara e passou a desenvolver aquela que seria a arma portátil mais letal de todos os tempos, o instrumento mais temível da grande orquestra chamada guerra: AK47, (Avtomat Kalashnikov 1947) a Harpa do Demônio.

Os EUA haviam adotado como arma padrão de infantaria o fuzil M1 Garand, o qual teve um desempenho magnífico durante os combates, a ponto do general Patton se referir a ele como “o maior instrumento de batalha já projetado”. Acontece que o M1 tinha algumas concepções ultrapassadas que o tornariam antiquado para as batalhas futuras, era pesado demais, carregador com capacidade de oito cartuchos e usava munição .30, cujo coice diminuía a eficiência do tiro e era pesada demais para armas automáticas portáteis. Foi observando essas deficiências que Kalashnikov projetou a arma para calibre 5,45 milímetros, carregador com trinta cartuchos, poder de fogo de 600 tiros por minuto, fácil manejo, custo de produção baixo e concepção mecânica robusta e simples. Os Estados Unidos desenvolveram o M14 a partir do M1, depois substituído pelo AR15 que se tornou o M16, arma mais aperfeiçoada que enfrentou as AK47 no Vietnã e não se saiu tão bem assim. No livro Steel My Soldier’s Hearts, o coronel Hackworth conta que, no Vietnã, máquinas de terraplenagem estavam cavando numa plantação de arroz para construir uma pista de pouso, quando encontraram o corpo de um vietcongue e sua AK47. O coronel tirou a arma da lama, engatilhou e disse: “vejam isso, eu vou mostrar para vocês como uma verdadeira arma para infantaria funciona”. E disparou trinta tiros como se a arma tivesse sido limpa naquela manhã e não permanecido um ano enterrada.

Pois bem, o pós guerra caracterizou-se pelo início da guerra fria e dos conflitos de baixa intensidade na América latina, na Ásia e, principalmente, na África, conflitos “por procuração” patrocinados pelas duas grandes potências, terreno fértil para disseminação de armas por ambos os lados. A Rússia, através do Pacto de Varsóvia, franqueou a produção da AK47 pela Polônia, Alemanha Ocidental, China, Correia do Norte, Bulgária e Iugoslávia sem pagamento de “direitos autorais” de forma que sua fabricação em massa supriu as necessidades do Pacto e os excedentes foram vendidos para países africanos a preço de banana. Enquanto os EUA insistia no seu fuzil M14 com cartuchos .30, os demais países da OTAN adotaram o FAL (Fuzil Automático Leve) belga de calibre parecido com o do AK47. Militares americanos submeteram as três armas a testes fatigantes em condições extremas de temperaturas, sujeira, gelo e impacto, e em todos os testes o AK47 se saiu melhor, secundado pelo FAL, o M14 perdeu em tudo. Então por que os americanos não adotaram outro fuzil? Por que o ARMY estava compromissado com a fábrica Springfield, fabricante do M14, desde 1795.

Na verdade, em todos os conflitos do pós guerra em que armas ocidentais enfrentaram as AK47, estas foram superiores. Ainda mais, o preço da arma que em alguns países africanos podia ser comprada até por dez dólares, permite que chefes tribais, bandoleiros, bandidos comuns, líderes com ideias de poder e até crianças adquiram-na a usem como se fosse uma peça de roupa ou um calçado. Acredita-se que existam mais de cem milhões de AK47 nas mãos de potenciais assassinos na África, a história recente de países como Costa do Marfim, Libéria, Serra Leoa, Namíbia, Ruanda e Angola atestam a letalidade desse maldito instrumento monocórdio. Calcula-se que desde o fim da guerra mundial cerca de 150 mil pessoas são mortas por ano pela AK47. Por isso é mais que justo denominá-la de Harpa do Demônio. JAIR, Floripa, 24/01/11.


9 comentários:

Leonel disse...

"A história do homem sobre o Planeta é a história das guerras". Apesar de eu ser o seu plagiador número um, esta frase até parece ser minha! Eu já falei que, quem quiser estudar a história da humanidade, é só estudar a história das guerras!
Mas o seu artigo está excelente, enfocando esta magnífica arma de guerra, presente em todas as guerrilhas do mundo pós II Guerra.
Eu li em algum lugar que o fabricante e detentor da patente da alemã MP-38/40 era a fábrica Erma, mas foram os aliados que associaram seu nome a Hugo Schmeisser, diretor de produção da fábrica, e passaram a chama-la Schmeisser, forma como é conhecida até hoje. Entretanto, esta submetralhadora, apesar de ser uma excelente arma, era sofisticada demais e requeria muitos cuidados para funcionar de forma correta, sofrendo frequentes engasgos na frente russa, devido à poeira, lama e intempéries da região. Por isto, diversas vezes os soldados alemães naquele front abandonaram suas armas e adotaram as submetralhadoras russas PPSh M1941, mais robustas, simples e confiáveis.
Quanto ao AK-47, sem dúvida alguma foi a arma do século!
Parabéns pelo excelente post, Jair!

Leonel disse...

Em tempo: quando eu falei "arma" estava falando de arma portátil de infantaria, lógico!

Maria Emilia Xavier disse...

Este é o nome que deveria ter toda e qualquer arma ou objeto feito com a intenção de maltratar, machucar, matar.

Anônimo disse...

Уважаемые, Другой удивительное совпадение в их текстах. Мой дедушка, брат Калашникова.
Кроме того, мы, русские сделали самые совершенные орудия войны, АК-47. Мы можем сказать, что АК-47 является самым разрушительным оружием на планете, и мы гордимся этим. В частности, моя семья гордится.
АК-47 так желанной армии в качестве моделей старинных автомобилей, таких как Ferrari и Porsche или гитары Stratocaster Fenderr и Les Paul.
Я с сожалением вынужден иметь на руках цифры показывают, что это оружие несет ответственность за более 250000 смертей в год во всем мире и достигла около 100 млн. единиц продукции.
Оружие не только принятые армии из нескольких частей, а также любимые контрабандистов и террористов. Почти все известные фотографии Усамы бен Ладена, АК-47 вместе с ним.

Приветствую вас,
Raknikov

JAIRCLOPES disse...

O cidadão que se diz chamar Raknikov escreveu em russo algo parecido com isso:
"Caros, Outra coincidência incrível em seus textos. Meu avô, irmão Kalashnikov.
Além disso, nós, os russos fazemos a mais sofisticada arma de guerra, o fuzil AK-47. Podemos dizer que o AK-47 é a arma mais devastadora do planeta, e estamos orgulhosos disso. Em particular, minha família orgulhosa.
AK-47 do exército é tão cobiçado como modelos de carros antigos, como Ferrari e Porsche ou guitarras Stratocaster Fenderr e Les Paul.
Lamento ter em mãos números mostram que a arma é responsável por mais de 250.000 mortes por ano no mundo, atingindo cerca de 100 milhões de unidades.
As armas não são só usadas por apenas um exército de várias partes, bem como é a favorita dos contrabandistas e terroristas. Quase todas as fotos de Osama Bin Laden ele porta uma AK-47 com ele".
Cumprimentos, Raknikov

Prticularmete, acho que o sujeito está fazendo chacota, mas como este é um espaço democrático que permite qualquer comentário não destrutivo, sua gozação fica registrada.

Leonel disse...

Se é uma brincadeira, pelo menos é uma gozação criativa!
Só tem uma coisa: se o cara entende o teu texto, entendeu português!
Porque então não escreve em português?
Se usa um tradutor, pode faze-los nos dois sentidos, né?

Anônimo disse...

Леонель. Я могу читать португальский, потому что я узнал из Интернета друзей в вашей стране. Но письма очень сложно, особенно в мужской и женской и множественном числе. Извините, если они вызывают дискомфорт в моем комментарии. Я хочу знать, ваша страна скоро, и я обещаю посвятить себя изучению языков. Объятия, Raknikov

R. R. Barcellos disse...

- Cheguei a manejar o FAL belga, e fiquei impressionado com a leveza e a qualidade da arma. Belo post, amigo.

Joel. disse...

Segundo Larry Kahaner autor do livro "AK-47, A Arma Que Transformou a Guerra", cem milhões de AKs foram produzidas por mais de vinte países e a arma se transformou num ícone cultural. Rappers cantam em seu louvor, vodcas recebem seu nome e até designers de elevado renome, como Philippe Starck, produziram móveis com sua imagem mortal.
Nenhuma ferramenta disseminou tanto poder e violência para tantas pessoas em tão pouco tempo, ou deixou tamanho rastro de destruição. A arma mais popular e letal do mundo tem vários nomes, entre eles: "O Cartão de Crédito Africano" e "A arma de destruição em massa de U$ 10,00". É vista diariamente em filmes na TV, em revistas e jornais, nas mãos de exércitos legítimos, porém, com mais frequência empunhada por rebeldes terroristas e até por soldados-crianças...
Grande abraço,
Joel.