terça-feira, 24 de maio de 2011

Homo sapiens




É um desejo meu antigo produzir um texto com esse título, Homos sapiens, embora muitas das minhas crônicas que enfocam evolução, cultura e civilização tenham trazido no bojo o termo, ou tenham dele se utilizado com certa frequência, em nenhuma delas o objeto central foi essa raça de primatas que somos nós. Então, vou enquadrar minha atenção somente nesse primata bípede, inteligente, egoísta e pretensioso.

Primeiro, deve-se ter em conta que as variações físicas que vemos hoje entre as pessoas de diferentes partes do mundo são variações dentro da mesma raça de primatas, não há diferentes raças de Homo sapiens. Inclusive já comparei nossa variação de feições, tamanhos, cores e jeitos, com um terreiro de galinhas caipiras onde vemos as mais diferentes aves, mas são todas galinhas, e todas da mesma raça, sendo as diferenças computadas como variedades normais dentro da mesma raça. Todo ser humano é sapiens, as diferenças que vemos aconteceram em virtude da separação geográfica e da adaptação a condições locais particulares. Por exemplo, os povos Inuit, antes conhecidos como esquimós, são atarracados, tipo físico mais adaptado à conservação do calor, Comparemos com os altos e esguios Maasai, os quais vivem no deserto do Calahari, cujos corpos, como os indivíduos de muitas tribos de países tropicais, são bem adaptados à perda de calor. A pigmentação da pele é outro exemplo: o grau de pigmentação aumenta à medida que nos aproximamos do equador; como a função do pigmento – a melanina – é de proteger a pele contra radiação ultravioleta, essa mudança é biologicamente correta e necessária.

A necessidade de proteger a pele por meio de pigmentação surgiu, é claro, quando os primeiros hominídeos perderam sua espessa camada de pelos. Nós ainda temos tantos pelos quantos nossos primos antropóides, mas nossos pelos são finos e curtos e, portanto, deixam a pele exposta. Desmond Morris nos chamava de “Macacos nus” com certa razão. Deve ter existido alguma vantagem evolutiva no nosso “despir”, e uma forte possibilidade é que isso nos permitiu elaborar um sistema muito eficiente de arrefecimento, graças aos mais de 5 milhões de diminutos poros – aberturas das glândulas sudoríparas – espalhadas por toda extensão de nossa pele. Pela evaporação da umidade através desses poros, podemos perder calor num grau nunca igualado por qualquer outro animal – grande vantagem para realização de intensa atividade sob o sol tropical. É só lembrarmos que os cães realizam sua transpiração pela língua, cuja área é mínima em relação ao corpo, daí não serem “trabalhadores” eficientes no calor. Esse benefício traz consigo uma ligeira desvantagem causada pelo aumento da dependência da água: a umidade perdida pela transpiração tem que sem compensada pela ingestão frequente de líquidos. É quase compulsório admitirmos que essa necessidade forçou os humanos a viverem desde o início nas proximidades de rios e lagos.

A perda da pelagem espessa aconteceu, provavelmente, num estágio precoce da evolução do Homo erectus, enquanto nossos ancestrais ainda viviam na África. Neste caso, então, deve ter surgido um aumento da pigmentação. Mas quando os indivíduos mudaram-se para climas mais frios, a pigmentação teria se tornado uma desvantagem, porque impediria que o pouco de sol que lá existe, catalisasse uma reação química essencial da pele, a qual produz a vitamina “D”. Como alguns de nossos ancestrais migraram para o hemisfério norte, mais frio, suas peles se tornaram cada vez mais claras, graças a seleção genética. As populações que permaneceram na África, e algumas outras que migraram para regiões tropicais, como os aborígenes australianos, permaneceram com as peles escuras.

Portanto, não deveria ser incompreensível para ninguém de inteligência mediana neste Planeta, a existência de variedades humanas nos diversos rincões que o Homo ocupou e ocupa. Decorrente dessa imposição natural que gerou as diferenças que vemos, é inadmissível que muitos humanos classifiquem outros de “raças inferiores”. Não existem raças e não existem inferiores, somos tão diferentes ou tão iguais uns aos outros como o são as galinhas caipiras de um terreiro doméstico. Quis a natureza que não fôssemos todos iguais porque do contrário não haveria diversificação que atrai, que excita, que cria curiosidade, que acaba unindo desiguais e aumentando a diversidade genética, que nos torna vencedores. Depois da descoberta do DNA, verificou-se que, com exceção dos gêmeos idênticos, somos todos seres diferentes, apesar de sermos mais de seis bilhões de pessoas nesse planetinha azul. Ainda mais, uma comparação genética feita por cientistas americanos, provou que somos tão iguais ou tão diversos de nosso vizinho ao lado – qualquer que seja ele – como somos tão iguais ou diversos de um indivíduo qualquer da Mongólia, por exemplo.

Então, racistas de toda ordem, não há razão científica alguma para os senhores classificarem pessoas diferentes como “inferiores”, elas são apenas diferentes, como seus pais são diferentes dos senhores. A quantidade de diferença de um filho para um pai é a mesma entre um sueco e um aborígene ou um pigmeu e um eslavo, então inexiste base para racismo neste Planeta. JAIR, Floripa, 23/04/11.

6 comentários:

R. R. Barcellos disse...

- Palmas para a forma, aplausos incontidos para o conteúdo! Parabéns!

Leonel disse...

Brilhante argumentação, Jair!
Mas, infelizmente, os seres humanos
tem essa tendência de agrupar os indivíduos sob rótulos.
Depois começam a procura justificativs para que o seu grupo seja o melhor!
Difícil lidar com isto, né?
às vezes, custo a acreditar que torcedores flamenguistas sejam do mesmo grupo genético dos botafoguenses!
Abração!

Maria Lúcia Lopes disse...

Prezado Jair,
hoje li seu texto, gostei muito, e fiz um comentário.
Abraços,
Maria Lucia.

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jair,
recém chegado a Passo Fundo fruía teu ‘homo sapiens’. Vibro com tua adesão a ‘não-raças’ entre os humanos. A metáfora com as galinhas é perfeita. Instigaste-me a reler o macaco nu, do Morris, já distante há um quarto de século.
Enquanto de lia me surge no teu blogue o logo de NOTA DE MORTE ANUNCIADA. Não somos tão ‘sapiens’.
Agora vou curtir a figueira.
Uma boa estada em Vegas.

attico chassot

J. Muraro disse...

Gosto quando você mete o malho nessa ignorância chamada racismo. Você é uma voz forte e articulada contra os preconceitos, parabéns.

Camila Paulinelli disse...

Olá,
Acredito que recistas são pessoas que não têm a capacidade ou ainda não tiveram a oportunidade de conhecer a vida real. Sempre observei o perfil destas pesssoas e geralmente estão tão voltadas para um grupo particular que se esquecem que existem pessoas diferentes no mundo. Diferentes e não inferiores como bem dito em seu texto. Infelizmente não tem como evitar a convivência, pois estaria fazendo o mesmo: ter preconceito contra a classe que tem preconceito. Difícil situação. Beijos da nora,