quarta-feira, 25 de julho de 2012

O escritor


Nada mais próprio do que, neste 25 de julho, lembrar daqueles que são, antes de quaisquer outros, os esteios da civilização, os escritores. Se pararmos para pensar um mero segundo, é fácil perceber que sem escritores esse mundo como o conhecemos não existiria.  Desde a adoção da escrita pelos que nos antecederam foi possível, não só registrar o fato, o evento, o pensamento, mas principalmente transmitir o conhecimento para os pósteros. Existem algumas culturas bastante antigas até, como os aborígenes australianos, que nunca adotaram qualquer simbologia convencional que transpusesse a barreira do tempo e do espaço levando suas descobertas e costumes a outros, seja de sua etnia ou estrangeiros. Talvez isso explique em parte por que existem centenas de idiomas e dialetos em um povo que não está separado por barreiras naturais. Quando os europeus chegaram à América se depararam com alguns milhões de indígenas que também não tinham escrita formal e suas etnias e línguas eram (ainda o são em certa medida) pulverizadas em milhares de variações, algumas nem pareciam vir do mesmo tronco linguístico de tão diferentes.
Por esses exemplos e comparando com as civilizações que hoje “dominam” o Planeta é possível aquilatar a importância que sempre teve a escrita. Desde aqueles amanuenses mesopotâmicos que, através de plaquinhas de argila, registravam transações comercias e certa contabilidade rudimentar, até cientistas dos séculos das luzes que, graças à invenção da imprensa de tipos móveis, puderam apresentar suas ideias e descobertas, todos os escritores formavam a base sólida da civilização.
Hoje as novas tecnologias que permitem publicações como e-boock, parece, tornaram o livro em papel dispensável, mas isso não é verdade. Até já escrevi sobre o assunto: “Um país sem livros é um deserto de idéias”, essa frase é minha e traduz o que penso sobre a importância da palavra impressa. Palavra impressa, diante das novas formas de levar as idéias até ao leitor, é apenas uma expressão, porque na verdade o que chamamos de livro sofreu inúmeras adaptações aos novos meios de informação e tornou-se algo muito diferente do que foi no passado, contudo, a essência do livro continua a mesma. O livro é ponte sagrada sobre a qual a humanidade passa para encontrar os rumos que conduzem à civilização. O suporte para o livro não importa, ao longo da história os homens firmaram aquilo que seria importante para suas gerações em pedra, pergaminho, papiro, madeira, metal, papel e, agora, em elétrons na forma de e-book. Lembrando que e-book é uma abreviação para “electronic book”, ou livro eletrônico: trata-se de publicação com conteúdo idêntico ao de uma possível versão impressa, com a característica de ser, claro, uma mídia digital.
Assim, caros escritores e escritoras, hoje é um dia muito especial para todos, porque se reconhece a importância para a humanidade a arte de escrever. Parabéns a todos! JAIR, Floripa, 25/07/12. 

terça-feira, 24 de julho de 2012

A guerra fria acabou?


Logo depois da segunda grande guerra o mundo civilizado se viu frente a duas ideologias opostas que, de diferentes formas, queriam impor suas vontades políticas, econômicas e colonialistas ao resto do mundo. Na pratica, o lado “ocidental” representado pelos EUA opunha-se ferozmente a tudo que viesse da então União Soviética que apregoava uma visão de sociedade que se contrapunha à “nossa” visão. No campo militar as duas superpotências empreenderam várias guerras “por procuração” onde os embates se faziam em outros países com armamentos, suprimentos e acessoria das potências antagônicas. As guerras no oriente médio envolvendo árabes e israelenses eram (ainda são em certa medida) emblemáticas desses atritos entre EUA e URSS. Assim foi na Coréia onde tropas mistas de coreanos e chineses recebiam armamentos dos soviéticos e lutavam contra os EUA e seus aliados. Vietnã representou outro local em que as potências se enfrentavam por procuração. Em Angola, embora não houvesse atividade direta de tropas do ocidente, havia apoio com armas de um lado e de outro. Kosovo na ex Iugoslávia marcou a presença de bombardeios da ONU capitaneados pelos EUA, e tropas assistidas e armadas pela URSS do outro lado. No Afeganistão as tropas soviéticas se atolaram contra guerrilheiros armados com mísseis Sting fornecidos pelos americanos. Destaque-se que, em 1962, em Cuba, foi a única vez que as duas potências estiveram cara-a-cara e arreganharam os dentes diretamente uma para a outra. Houve, durante o período, inúmeras frentes de baixo impacto como em Granada, no Panamá, na Bolívia, na Líbia e alguns países africanos que bem ilustram essa rivalidade.
Com o fim da chamada Cortina de Ferro, depois que o regime socialista da URSS se desfez, parecia, finalmente, que o motor que impulsionava a história havia perdido sua força motriz e parara. As ideologias conflitantes deixariam de existir depois que a Rússia seguida de seus ex-satélites adotou a democracia como forma de governo e o capitalismo como opção econômica. Foi aí que ficou famosa a tese de Francis Fukuyama, filósofo nipo americano que publicou um trabalho que o tornou famoso que apregoava o “fim da história” já que não havia mais antagonismos ideológicos que a impulsionasse. Também eu, como a maioria das pessoas, não li o trabalho de Fukuyama, mas a enorme massa de referências a ele faz com que sinta certa “intimidade” com a tese.
Todo mundo admitiu e levou em conta que a Guerra Fria (A História, segundo Fukuyama) acabou. Será verdade mesmo? Vejamos. A Síria, com mais de 22,5 milhões de habitantes, é palco da mais violenta repressão contra opositores ao regime entre os países da chamada "Primavera Árabe", que começou no final de 2010 quando um jovem tunisiano ateou fogo ao próprio corpo como forma de protesto às condições de vida naquele país do norte da África.  Desde então, quatro ditadores de países da região - Ben Ali, da Tunísia, Hosni Mubarak, do Egito, Muamar Kadafi, da Líbia, e Ali Abdullah Saleh, do Iêmen - foram depostos ou mortos. Bashar al-Assad, ditador vitalício da Síria, contudo, segue firme no poder, enquanto a população acusa o regime de uma brutal repressão. Foram registrados mais de treze mil mortos entre civis desde que começou a rebelião.
Como pode uma rebelião mostrar tanto vigor e fôlego e com quais fontes de armamentos pode contar? Como uma ditadura altamente impopular se opõe a resoluções da ONU e mantêm-se firme no combate à rebelião? Pois é, a guerra fria não acabou, e, segundo Samuel P. Huntington, o que temos agora é um "choque de civilizações". Armamentos e suprimentos são fornecidos aos rebeldes pelo ocidente (leia-se EUA) e China e Rússia não só apóiam Assad com todo armamento mais moderno (Kalashnikovs, leia também “A harpa do demônio” (06/02/11) neste blogue), como se opõem que o Conselho de Segurança da ONU reprove ou intervenha nas ações do ditador. Quem achava que a guerra fria tinha acabado pode reformular sua opinião, enquanto houver ditadores de quaisquer cores ideológicas dispostos a oprimir seus concidadãos, haverá uma “potência” estrangeira disposta a apadrinhá-los por motivos nem sempre muito claros já que a dicotomia leste-oeste representado os bons de um lado (qualquer lado, dependendo se estamos no ocidente ou no oriente) e os maus do outro, deixou de existir. A guerra fria está mais quente que nunca. JAIR, Floripa, 23/07.12.  

sábado, 21 de julho de 2012

Dingo


A civilização aborígene australiana na verdade é oriunda da Polinésia de onde teria migrado para o continente australiano há quarenta mil anos. Pelas evidências arqueológicas sabe-se hoje que após as primeiras migrações sucederam-se outras há menos de trinta mil anos. Outras evidências fósseis demonstram que, junto aos polinésios que migraram um pouco mais tarde, vieram cães domésticos que serviam de companhia, guarda e até fonte de proteínas nos piores momentos.
Pois é, esses cães domesticados, aparentemente, ao chegarem ao continente australiano ficaram seduzidos pelas grandes extensões de terras selvagens desprovidas de predadores e supostamente repletas de presas fáceis. Então, fugindo do controle de seus parceiros humanos, tornaram-se selvagens, apesar do deserto inóspito que tiveram que encarar. Há que se notar que, por um capricho evolutivo, todos os mamíferos nativos da Austrália são marsupiais, ou seja, possuem um marsúpio (bolsa externa) onde o bebê se desenvolve depois de sair de dentro da mãe. E o dingo era o único mamífero placentário encontrado naquelas paragens quando os europeus colonizadores lá desembarcaram. Então o cão selvagem dingo se destacava na paisagem.
O dingo, ao contrário da maioria dos canídeos, não é animal de matilha, ele se comporta como um caçador solitário e só forma família por ocasião do acasalamento. Seus ancestrais devem ter chegado quando os cães ainda eram relativamente selvagens e mais perto de seus ancestrais asiáticos, lobos cinzentos, os Canis lupus. Desde então, vivendo em grande parte distante de pessoas e outros cães, juntamente com as exigências da austera ecologia australiana,  o dingo desenvolveu características e instintos que os distinguem de todos os outros caninos. O habitat natural do dingo pode variar de desertos, pradarias até beira de florestas, que no caso da Austrália são florestas de eucaliptos, pois lá existem mais de duzentas espécies dessa árvore. Normalmente esse bicho elegante e esquivo não pode viver muito longe da água, então costuma usar como abrigo tocas abandonadas ou troncos ocos nas margens dos rios e lagos.
Apesar de serem “estrangeiros” adaptados ao meio australiano, dingos desempenham um papel importante nos ecossistemas da Austrália, pois são predadores, na verdade os maiores predadores do continente, visto que a maioria dos marsupiais se contenta e comer folhas e frutos. Os dingos não são exatamente mansinhos, sua vida de livres caçadores os dotou de instintos apurados, força, agilidade e resistência de modo a serem sobreviventes num ambiente desértico como o Outback onde vivem em sua maioria. Por causa de sua suposta ferocidade e ataques a animais domésticos, esses cães selvagens são vistos como pragas pelos criadores de ovelhas que tendem a dizimá-los nas áreas de fazendas de ovinos. Os métodos de controle de suas populações normalmente são contrários aos esforços de conservação que os órgãos do governo tentam implantar. Tão burra é a caça a esses animais que os pecuaristas não percebem que podem se beneficiar da predação que os dingos exercem em coelhos, cangurus e ratos, bichos que disputam alimentos com os carneiros. Para minorar o possível ataque de dingos às criações de ovinos construiu-se, entre 1980 e 1985, uma cerca de 5600 quilômetros que isola o sudeste de Queensland onde se encontram os maiores rebanhos. Essa é maior cerca do Planeta que se tem notícia. 
Como disse acima, os dingos são selvagens e se viram para sobreviver, assim, é perfeitamente viável que, em algum momento um ou outro famélico cão desses tenha se aproveitado de algum ser humano indefeso para se alimentar. Agora, depois de 32 anos, está comprovado que um dingo abocanhou uma criança em uma barraca de acampamento e comeu-a. Resolução de um caso de 1980 que dividiu a nação, e levou a uma condenação por homicídio equivocada, um juiz australiano declarou que um dingo levou um bebê de um acampamento no Outback, assim como sua mãe disse que desde o início. Muitos australianos, inicialmente, não acreditaram que um dingo era forte o suficiente para agarrar o bebê Azaria com a boca e arrastá-lo. Nenhum ataque de dingo semelhante já havia sido documentado na época, mas nos últimos anos os cães selvagens foram responsabilizados por três ataques fatais a crianças. Ainda assim, algo infinitamente distante das centenas de ataques com ferimentos e mortes causados por pitbulls, por exemplo. sem contar que ataques de pitbulls são gratuitos por assim dizer, enquanto dingos atacam a presa para se alimentar. 
"A partir de agora a Austrália não será capaz de dizer que dingos não são perigosos e apenas atacam se provocados," a Sra. Chamberlain-Creighton, disse antes de deixar o tribunal para onde fora com seu ex-marido e seus três filhos sobreviventes para pegar o certificado de óbito de Azaria. "Vivemos em um país bonito, mas é perigoso e gostaríamos de pedir todos os australianos para tomar cuidado com isso e tomar as devidas precauções," disse a mãe de Azaria.
Contudo, esse é o único caso registrado em que se provou a morte de um ser humano por um dingo sem este ter sido provocado.  Na verdade quem está sendo ameaçado de extinção pelo homem é o dingo. Hoje estima-se que a maioria dos modernos "dingos” são descendentes dos mais recentemente introduzidos cães domésticos. Esses híbridos continuam sendo chamados de dingos e têm aumentado significativamente nas últimas décadas, e o dingo original passou a ser classificado como em perigo de extinção.
Já fiz referências em outros textos sobre cães ao mais diversos, mas especialmente sobre o nobre vira latas, nosso tão conhecido cachorro de rua, animal que pelas características é o grande representante da espécie dos canídeos. Pois agora quero deixar aqui registrado: o magnífico dingo é um vira latas com upgrade, um vira latas dois ponto zero, com todas as melhores características do cão de rua, somadas a sua longevidade como raça, sua resistência em sobreviver em ambiente hostil e sua enorme adaptabilidade. Se houver chance de voltar em uma encarnação posterior, gostaria de voltar como um dingo, e entendo que com isso eu estaria sendo bonificado com uma bênção que nenhum ser humano merece. JAIR, Floripa, 20/07/12. 

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Mais sandices!


Colorau! Vociferavam templários alhures. Mais que simples ebúrnea, previa-se que tal manifestação gestasse distúrbios gástricos no já malvo aparelho vesicular do Estado de espírito. Não era tão simples a política de toalhas molhadas a que se propunha o itinerante governo de ninguém representando nada, que se fazia sentir como o último recurso versátil para salvar o replublismo. Alguns apoiavam a terra arrasada que se avizinhava diante de tanta populeta disforme; de tanto calemburismo autocentrato visível nas medidas sobejantes já tão amplamente reconhecidas. Haja velino! Embrocações, profilaxia e justimentos era o mínimo que se podia esperar de tal situação, vestíbulos alumbrados já iam e vinham por conta do caotismo criado a partir das pressões méssicas aderentes.
No amplo campo das conjeturas apriorísticas ninguém arriscaria um níquel furado no futuro do pentimento, mesmo porque acreditava-se que se futuro houvesse estaria contaminado de soluções pretéritas semióticas, nada típico, portanto. Marx e Teresa de Calcutá, referências compulsórias para o ressurgimento de idéias sistemológicas, nada representavam se fôssemos adjudicar preâmbulo bestialógico ao que já se encontrava Non sequitur por antecipação. Ça va sans dire, é a forma mais elegante de demarcar o fosso existente entre leste e oeste, para não falar entre norte e sul dos hemisférios latentes de uma mesma ideologia presbítera.
De acordo com antropomorfismo residual, como antecipar um resultado de alocações espúrias já pressentidas? Nada a declarar! Não há precedente que justifique qualquer inferência locativa permanente. Melhor tergiversar, nos anódinos ditames da blogosfera é melhor adiar para sempre do que antecipar uma possível solução zerada de conteúdo. De acordo com Bruñuel: “Todos serão poucos se não forem acrescentados ao total”, não que ele pretenda encerrar o assunto e assumir que o Planeta gira em torno da Lua como é amplamente sabido por quase a totalidade dos habitantes da Somália equatorial. Mas, melhor que não saber, é saber que não se sabe, o que quer que não se saiba, se me fiz entender. Pósteros de T.G, Dalcin vaticinaram a vertente legítima de saibros e anteras primordiais, não há o que discutir, portanto.  
Vamos devagar para entender como a defesa dos entreveros e supérstites se fará a partir dos dados coletados in loco, após a débâcle anunciada. Se todos se ativerem a meros espectadores das dores alheias, já seria meio caminho percorrido para avultar a semiótica astrolábia do ecumenismo diletante. Porquerias, poderiam os adeptos do formalismo buromédico afirmarem. Porém, longe de assumir a dessemelhança audível entre estes e aqueles, é mais patente correr em prol da libertação dos epicuristas brânquios da Lapônia. Há quem afirme de pés juntos que os que assim procederam, tiveram assistência femoral quadrangular efetiva, e os que ignoraram o aviso de não flautear, perderam seus dedos antes dos anéis. Abominações se fizeram sentir nos primeiros albores da prosaica meta abominável, nada diferente do esperado diante de tal procedimento.
Vetustos bacharéis se arvoraram em defesa das gaivotas e tetréis albinos do longínquo Cazaquistão, mas nada indica que esse proceder vá interferir no andamento dos ligúrios classistas representativos de suas comunidades. Nada indica que uma política platônica rica em nuances fremológicas possa alterar o status quo alcançado após as últimas abluções vespertinas dos maçônicos. Haverá um impasse, portanto. Em defesa da verdade provecta e rubicunda há que se esclarecer todas a implicações arbóreas dos vícios anódinos, que se fizeram em consequência do problema dos dendrobatas que não perceberam a fragilidade dos fundos de pensão. Carpe diem!, é a maneira jocosa que eles encontraram para livrar-se da incômoda pecha de nada constarem nos autos. Nada consta! Não existe nada tão desprável desde que o mundo é mundo. É lamentável.
Escolásticos não tiveram a inteligência de formular com um mínimo de incoerência os roteiros helvéticos necessários ao bom desempenho das máricas do oceano austral. Assim, ficam completamente ultrapassados os conceitos anelados pelo Gorkismo fácil, o qual em tudo vê ideário anarquista, quando sabemos que a retribuição leminguista (com todo respeito a Pulo Leminski de saudosa memória) só se fará presente quando ligarmos os pontos cardeais aleatórios já ao alcance da vista de visionários de plantão. Haja pormenores!
E como ficam as firulas menstruais da minoria fermiciana?  Nada a declarar também? Duvidamos. O claro da história sempre está relacionado a hóstias degradadas encontráveis em esconsos vértices de escadas epistemológicas que levam a lugar nenhum, sempre. Remake de ideias para usar um eruditismo démodé como quase todas as citações amesquinhadas do vernáculo vis-à-vis da nossa malquerida e vergastada Pátria. Ah bom! Então é isso! O que quer que isso seja.
James Joyce, na sua caramélica obra “Dr. Ulisses” previu a defasagem conflituosa entre os menestréis e menestroas do abissal sistema gráfico orgástico das letras. Já que assim se ministrou saberes sobre astrolábios e fazedores de tempestades, nada custou extrapolar as aramaicas crostas de saponáceos esponjosos dentro das firulentas prebócides. Então que assim seja. Todos seremos mundialmente desconhecidos em algum momento de nossa existência, e isso não prêmio. Considerando que Joyce escreveu torto por linhas retas, não custa imaginar o que seria se nas avenças lhe tivesse ocorrido perpetuar batráquios e equinócios numa só paráfrase. Sonhar é de graça.
Parênquimas foram detectadas em plena florescência dramática nas entrelinhas efusivas do tomo um das memórias ulissianas, então, de nada adiantou continua persistindo no acabrunhamento das vestais. Pobres coitadas! O tríduo permitido pelas autoproclamadas autoridades permitiram, mais uma vez, tapar o sol com a pereira florida, parece até lugar comum, mas não é. Se fez necessário um prepúcio introdutório às fácies do monstro entrevisto nas sombras. A ninguém é permitido chorar o leito desarrumado, só vivemos uma vez, então rabotemos à vistoria demagógica! Não há uma segunda chance. Ainda bem, dizem alguns.
Festejar o quê? Festejar pelo simples fato de saber o sabível, ou comemorar fogos fátuos? Não haverá resposta fácil até que cheguemos ao fim do arco-íris que, neste caso, é a remoção pura e simples de tudo que se antepara ao bem servir a Pátria, seja esta reconhecida ou não, não nos cabe julgar. Ódio jamais, lateralidade não é opção, até porque Demócrito sempre teve razão. Floripa, 25/01/12. 

domingo, 15 de julho de 2012

Formigas verdes


Na região leste australiana, no estado de Queensland, existe uma espécie endêmica de formiga chamada de formiga verde porque possui o abdômen dessa cor. Talvez por existir apenas naquela região não é muito conhecida pelos entomólogos e não figura em destaque em quase nenhuma produção literária, aliás, nem mesmo os australianos de Queensland sabem muita coisa sobre ela.
Talvez nunca se viesse a conhecer qualquer coisa a respeito dessas formigas se não fosse o cineasta alemão Werner Herzog que fez um filme nem um pouco conhecido que tem como atração a fantasia mística que esses insetos exercem sobre o imaginário de tribos aborígenes que vivem no out back e têm as formigas como portadoras de bons augúrios. “Onde sonham as formigas verdes” é o nome da obra do diretor alemão. No coração selvagem da Austrália, um grupo de aborígenes de uma tribo em extinção defende um local sagrado contra o avanço dos tratores de uma companhia de mineração. É o local onde sonham as formigas verdes. Perturbar o seu sonho irá destruir a humanidade, eles acreditam. Os nativos entram em conflito com as leis da Austrália moderna, e a disputa é feita em um tribunal.
Não é caso de falar sobre as mensagens do filme onde há um confronto dos valores cultuados pelos nativos com o capitalismo selvagem que só vê lucro a tirar daquele pedaço de deserto. Mas, vale falar sobre como os australianos nativos incorporam as verdes formigas à sua cultura.
Em meados dos anos setenta, geólogos da Queensland Mines Ltd. se depararam com um pequeno sítio de terra numa região remota da Austrália, região norte de Nabarlek que acabou sendo o mais rico depósito de urânio do Planeta. O minério enterrado abaixo da paisagem encontra-se em formações altamente concentradas de fácil acesso, a menos de 18 metros de profundidade. Assumindo que os direitos de mineração poderiam ser facilmente obtidos a partir dos proprietários indígenas, a empresa australiana rapidamente assinou contratos para vender US $ 60 milhões de minério para empresas japonesas. O que os executivos de mineração não levaram em conta foi a relutância dos indígenas em perturbar as formigas verdes que vivem perto do local.
A formiga verde é um incômodo para os moradores de regiões urbanas e suburbanas da Austrália. As formigas geralmente constroem seus ninhos no subsolo sob a maioria dos tipos de gramíneas, ninhos que muitas vezes passam despercebidos até que alguém, ou às vezes algum animal, é mordido. A mordida da formiga em si é muitas vezes invisível, no entanto, o veneno que ela injeta através de uma picada, em seu abdômen, inicia uma forte sensação de queimadura segundos após a picada e permanecendo por um tempo de cinco minutos até duas horas ou às vezes mais. O veneno é geralmente inofensivo, mas se um grande número de mordidas for recebido de uma só vez, a enorme quantidade de veneno injetado no corpo às vezes pode tornar uma criança pequena doente por algumas horas ou mais, geralmente nada para se preocupar, exceto um choro perseverante que incomoda os adultos.
Contudo, para os australianos nativos que são místicos e cultuam a natureza com uma mãe benfazeja que tudo lhes dá sem nada pedir em troca, a existência das formigas verdes naquele pedaço de chão é um sinal de fartura e futuro tranquilo. Qualquer mudança no clima ou nas condições do terreno que prejudique ou impeça o sonho das formigas é um mau sinal que angustia suas mentes e traz desconforto social para todo o povo porque o mundo pode acabar. Elas fazem tudo para preservar o ambiente das formigas, equivale dizer, eles preservam a natureza e pouco modificam as condições em que elas vivem. 
Então, como entender que homens brancos, movidos por alguma coisa tão execrável como dinheiro, quisessem cavar o solo e desalojar as formigas que ali viviam por milhares de anos sem serem incomodadas e sem incomodar ninguém? Como entender que homens ditos civilizados pudessem matar as formigas para se apossar de um produto enterrado no solo que os nativos nem sabiam para que servia, e que, mesmo aqueles escavadores incréus não sabiam explicar exatamente qual era seu uso?
O conflito resultante da visão mística e até certo ponto ingênua dos aborígenes, e da fome de lucro dos capitalistas em explorar as jazidas de urânio, deu azo ao filme de Herzog. O que vemos na obra é o choque de cultura, o abismo enorme criado entre a visão natural dos nativos e a prepotência do homem branco. É um filme sobre as coisas pequenas e simples que vão além de qualquer ganância ou providência que o dinheiro pode tomar. Os nativos, mesmo seduzidos com a promessa de milhões de dólares a ser doados à sua comunidade em troca da exploração das minas, não aceitaram perturbar o sonho de suas amadas formigas, deitaram-se no solo e impediram que as máquinas iniciassem os trabalhos de escavação. A “disputa” entre esses liliputianos ecologistas, contra os gigantes operadores de máquinas famintas e poderosas, se estendeu por vários meses até que o capital irracional perdeu a luta e resolveu procurar urânio em paragens onde não moram nativos e tampouco existem formigas verdes.
Há que se notar que, a não ser pelo filme de Herzog, a imprensa mundial jamais publicou uma linha sequer sobre esse incidente em que uma comunidade, “selvagem” por definição, travou uma luta contra todo-poderosos empresários e saiu ganhando. Que o sonho das formigas verdes não seja perturbado jamais em nome daqueles que se preocupam com a sobrevivência da humanidade. JAIR, Canoas, 12/07/12.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Os gafanhotos


Na Bíblia, Êxodo 10, fala-se da praga de gafanhotos que teria assolado o Egito. Então, hoje quando grandes plantações são assaltadas por milhões desses insetos famintos, os quais em poucos dias conseguem devastar milhares de hectares de cultivo, ao imaginário popular é quase compulsório associar essas catástrofes com aquela da passagem bíblica. Quase todos os anos são veiculadas notícias de hordas gafanhotais, ora na África, ora na Austrália ou até nas Américas, porém, quase não se compara essas pragas com o desmatamento. Aquele desmatamento sistemático, continuado e nocivo que, em muitos lugares, detonam as florestas para sempre.
Nasci e vivi até aos dezessete anos em Palmeira, cidade do Paraná que naquele tempo era cercada de pinheirais por todos os lados. A Araucaria angustifolia, mais conhecida como pinheiro do Paraná é, talvez, a árvore mais bonita de nossa flora.  É uma sobrevivente, há provas fósseis que já existia há mais de 200 milhões de anos, quando sua população se disseminava do sul até o nordeste brasileiro. Essa bela conífera pode atingir até 50 metros de altura, com um diâmetro de tronco à altura do peito de 2,5 metros. Sua forma é única na paisagem brasileira, parecendo uma taça de champanhe com um longo e delgado cabo. Ocupando uma área original de 200 mil quilômetros quadrados, a partir do século dezenove foi intensamente explorada pelo alto valor econômico da madeira que produz. Também suas sementes são altamente nutritivas, e hoje seu território está reduzido a uma fração mínima, o que, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), coloca a araucária em perigo crítico de extinção.
Pois bem, uma notável concentração de árvores de grande valor comercial é natural que, como cultivares atraem gafanhotos, atraia pessoas, madeireiras e corporações interessadas na exploração de tal tesouro a céu aberto. Em Palmeira não foi diferente, nos anos quarenta do século passado atraiu gafanhotos famintos na forma de madeireiras administradas por gente tão gananciosa por lucros quanto estúpida. Por uma injunção maléfica do destino, os pinheiros de minha terra natal atraíram famílias de madeireiros descendentes de italianos: Malucelli, Cherubim (pronuncia-se Querubim) e Mansani, sobrenomes que podem lembrar aquelas famiglias mafiosas da Cecília e da península italiana.
A Araucária é uma espécie exclusiva da floresta ombrófila mista, isto significa que ela cresce em consórcio com outras tantas árvores desse tipo de floresta, daí, além de seu valor comercial intrínseco, as demais árvores também representam ganhos para os madeireiros. Imbuias, cedros, canelas e outras madeiras usadas na fabricação de móveis encontram-se em abundância entre os pinheiros. Os gafanhotos carcamanos que exploravam os pinheirais tinham como “bônus” as outras espécies a sua disposição, era mamão com açúcar.
Particularmente a Madeireira Malucelli começou suas atividades se estabelecendo na localidade de Três Morros, distante alguns quilômetros do centro urbano de Palmeira, que naquele tempo não passava de um aglomerado de casas de cinco mil habitantes, cuja economia baseava-se na extração de erva mate (Ilex paraguariensis) muito abundante na região. Pois tão logo os pinheiros escasseavam em Três Morros, os gafanhotos, digo, os Malucelli, mudaram sua madeireira para Pinheiral de Baixo, onde nasci. Claro que, também em Pinheiral, a abundância de Araucárias não foi suficiente para manter ocupadas as mandíbulas famintas das máquinas por muito tempo. Lá foram eles com suas serras, machados, tornos, caminhões e prensas para a sede do município. Com essa mudança da indústria vieram meus pais, meus dois irmãos e eu que era um bebê de dois anos.
Morávamos numa casinha de madeira à entrada principal da fábrica como a chamávamos, e de nossas janelas víamos o trânsito dos caminhões que traziam as toras brutas das florestas. Podíamos acompanhar todos os dias os carregamentos dos cadáveres das Araucárias e de outras árvores que adentravam a fábrica para saciar a fome das máquinas e encher os bolsos dos Malucelli. Qualquer pessoa minimamente esclarecida ou que quisesse enxergar, podia perceber que ao ritmo que se devastava, aquelas matas em pouco tempo deixariam de existir. Mas a fome de lucros fáceis era muito grande, as florestas que se explodam. Acrescente-se que os operários que labutavam na fábrica eram mal pagos e seus salários em decorrência de suas jornadas de trabalho traduziam quase trabalho escravo, em total desacordo com as Leis Trabalhistas. Sou testemunha de tal regime porque trabalhei lá. Em virtude de ser menor de idade ganhava metade de um salário mínimo mensal, mas a jornada e a brutalidade do trabalho eram iguais aos de adultos, minha audição está comprometida até hoje por ter trabalhado naquelas serras elétricas de ruído altíssimo sem qualquer proteção.
Bem, então lá estavam os Mansani, Cherubim e Malucelli devastando toda a mata ombrófila das cercanias de Palmeira sem qualquer preocupação com o futuro, talvez incapazes de perceber que estavam comprometendo o futuro de suas indústrias e deles próprios pelo desmatamento irracional. Há quem diga que aquelas atitudes anti ambientais eram necessárias e corretas para o “desenvolvimento” da região. Eu digo que não. Então qual é a solução? Simples demais: plantar. Se os mafiosos, digo, Malucellis e demais empresários, tivessem plantado mudas nos locais que retiravam a madeira, dali a alguns anos as florestas estariam recompostas, as terras continuariam valorizadas e as madeireiras funcionariam com as árvores replantadas, todos ganhariam. Como foi feito todos perderam. Os gafanhotos, digo, os mafiosos, ou melhor, os madeireiros hoje são pobres, indistinguíveis daqueles que eles exploraram, os que para eles trabalharam continuam paupérrimos e a cidade além de pobre não possui mais matas ombrófilas. Mas, como os insetos, os gafanhotos humanos se mudaram para outros locais onde possivelmente tentam explorar outros recursos não renováveis. JAIR, Floripa, 09/06/12. 

terça-feira, 10 de julho de 2012

De volta ao passado


John DeLorean fundou a DeLorean Motor Company em Detroit, Michigan em 24 de outubro de 1975. Ele já era bem conhecido na indústria automobilística como um engenheiro capaz, inovador de negócios, e a pessoa mais jovem a se tornar um executivo da General Motors. John era um empreendedor sem grana, então o dinheiro para o empreendimento viera parcialmente de um programa inovador no qual os clientes adquiriam o carro “na confiança” é só o receberiam quando a empresa estivesse produzindo. Neste caso os compradores se tornavam acionistas da empresa.
DeLorean também buscou incentivos fiscais e ajuda econômica de várias organizações governamentais e privadas para pagar a construção das instalações da sua fábrica. Para obter esse subsídio, construiu sua primeira planta industrial em uma região onde o desemprego era particularmente cruel devido à desativação de outras fábricas de automóveis por causa da importação de carros melhores e mais baratos oriundos do Japão. Além disso, contou com alguns figurões de Hollywood que acreditaram em seu projeto, e convenceu o governo britânico que entrou com U$ 120 milhões dos U$ 200 milhões dos custos iniciais.
A ousadia de John levou-o a construir o primeiro carro com carroceria de aço inoxidável da história. O modelo que produziu - DeLorean DMC-12 carro esportivo com portas asa de gaivota, - ficou imortalizado pela trilogia “De volta para o futuro” de Spielberg, onde o carro ganhou fama mundial como uma máquina do tempo inventada e operada pelo excêntrico cientista Doctor Emmett L. Brown, (Christopher Lloyd), embora a empresa houvesse deixado de existir antes de o primeiro filme ser lançado. Em 1982 a DeLorean como empresa entrou em concordata e faliu, para decepção de seus acionistas e consumidores.
Em 1995, uma empresa nova usando o nome "DeLorean Motor Company" adquiriu o estoque de peças remanescente e o logotipo estilizado "DMC" da DeLorean original. A atual DeLorean localizada perto de Houston não é, e nunca foi associada com a empresa original, mas dá assistência técnica aos proprietários dos antigos veículos DeLorean.
Embora os novos DeLorean incorporem todas as tecnologias mais recentes aos seus modelos, o que se fez foi uma transcendental volta ao passado, pois o designe inovador e a ousadia da carroceria em aço inox escovado tornou os DeLorean originais ícones da indústria automotiva que jamais foram superados. Hoje os modelos clássicos usados podem ser encontrados em saites de vendas dos EUA por algo em torno de trinta mil dólares. JAIR, Canoas, 09/07/2012.

sábado, 7 de julho de 2012

O Gloster



O Gloster Meteor foi o primeiro jato de combate operacional britânico. O avião serviu no período do pós-guerra em muitos serviços aéreos diferentes e em muitos papéis diferentes.
A história do Gloster Meteor está interligada com os esforços britânicos para desenvolver motores a jato. Em 1929, um jovem oficial de voo da Royal Air Force (RAF) chamado Frank Whittle surgiu com a ideia para a construção de um motor de avião com base em turbina a gás. Outros pesquisadores na Rússia, nos EUA, na Alemanha e até na Polônia já haviam desenvolvido o conceito, mas Whittle foi o primeiro a ter as habilidades de engenharia aeronáutica capaz fazer algo útil com ele.
Uma vez que todas as tentativas anteriores de desenvolver um motor de avião baseado no motor de turbina a gás tinham falhado, as noções de Whittle eram tão novas e inusitadas que eram geralmente descartadas pelas autoridades do governo e da indústria. No entanto, Whittle era teimoso o suficiente para solicitar uma patente sobre suas idéias em 1930, e continuou a promover seus conceitos de motor, com uma RAF extremamente leniente dando-lhe tempo e oportunidade para investigar o assunto.
Em 1936 Whittle fundou uma pequena empresa chamada Power Jets Ltd., para executar as suas idéias, e foi logo registrando novas patentes. Uma delas foi para um "banco de ensaio" de turbina a gás designada "Unidade Whittle (WU)". Whittle começou testes do WU em 1937. Alguns testes foram bem sucedidos, ainda que, por vezes, extremamente assustadores. Felizmente Whittle conseguiu que o WU funcionasse bem o suficiente para que em 1938 o Ministério do Ar começasse a fornecer fundos, ainda que moderados, com os quais ele deu seguimento ao trabalho.
Em junho de 1939 o motor de Whittle estava aprovado e a RAF encomendou os dois primeiros jatos projetados por W. George Carter, no entanto a batalha da Inglaterra em 1940 interrompeu os trabalhos que foram reiniciados em 1941. Enfim os primeiros sete de vinte Gloster encomendados pela RAF foram entregues nos primeiros dias de Julho de 1944. No dia 27 do mesmo mês, foram testados na interceptação às bombas voadoras alemãs V-1, sobre o Canal da Mancha, com relativo êxito.
No início da década de 50 a primeira linha de defesa da FAB era formada pelos já superados caças norte-americanos com motores convencionais, os P-47D Thunderbolt e Curtiss P-40, e a Força Aérea, percebendo essa deficiência, buscava uma alternativa para reverter essa situação e, principalmente, para manter a soberania nacional do céu brasileiro.
Após analisar várias ofertas, incluindo dos EUA, o governo de Getúlio Vargas decidiu que a melhor opção seria um modelo que já era operado pela RAF na fase final da 2ª Guerra Mundial. Mas havia uma grande diferença deste novo caça em relação a tudo que já voara no Brasil, militar ou civil, seu motor era a reação! Tratava-se do lendário e temido Gloster Meteor. Assim, a FAB acabou adquirindo, em 1953, os F8 agora equipados com dois motores Rolls Royce Derwent V com 3.500 libras de empuxo para incorporar aos seus esquadrões de caça.
O 1º/14º Gav, sediado na Base de Canoas foi um dos esquadrões que recebeu as novas aeronaves. Junto ao primeiro lote de F8 Gloster Meteor, veio um instrutor da RAF, Sir Arthur Legranger, o qual, com posto de major, fora combatente durante a guerra e agora era contratado pela fábrica do avião como “garoto propaganda” e encarregado de formar novos pilotos nos vários países que adquiriram a famosa aeronave.
O piloto inglês passou vários meses usufruindo da hospitalidade gaúcha e instruindo com acurácia britânica os aviadores brasileiros. Reza a lenda que ele era um instrutor exigente e de extrema competência que se tornou quase folclórico em todos os países que trabalhou. Um belo dia com céu de brigadeiro no fim do período de instrução, quando todos os pilotos do 1º/14º já estavam formados e sua volta para a Grã Bretanha já estava marcada para a semana seguinte, ele reuniu os seus instruendos e comunicou-lhes que ia realizar uma manobra marginal com uma das aeronaves. Dito isso, ele embarcou em um dos aviões, decolou, ascendeu a trinta mil pés, colocou o nariz para baixo e acelerou até a potência máxima os motores. Os militares que assistiam às manobras quase não acreditaram quando ouviram o estrondo sônico, pela primeira vez na história, uma aeronave havia ultrapassado a barreira do som nos céus de Canoas.
Ao pousar, Sir Arthur, com toda a empáfia que lhe permitia o feito inédito, comunicou que havia feito uma manobra autorizada pela fábrica do equipamento, e que a aeronave estava condenada para uso normal. Devia ser colocada em pedestal e a fábrica enviaria outra aeronave em reposição junto com o suprimento comprado pela FAB. Claro, essa decisão estava associada à barreira do som que os americanos tinham acabado de romper e arrogavam que eram pioneiros. Os britânicos, por sua vez, não haviam construído um avião especialmente para transpor essa barreira, mas queriam mostrar que o Gloster era capaz, por isso autorizaram o piloto fazer a manobra. Por outro lado, como a aeronave não tinha sido construída para isso, eles tinham medo que a radical manobra comprometesse a estrutura do avião, então, mesmo com prejuízo, desautorizavam seu uso posterior. Já pensou se o avião se desmanchasse no ar depois disso?
Os militares do Grupo de Caça, por “jeitinho brasileiro”, por não ter algum documento escrito sobre o fato, ou por alguma causa não explicada, resolveram ignorar a advertência de Sir Legranger e continuaram voando a tal aeronave como se nada houvesse. O F8 de prefixo 4442 continuou prestando bons serviços à FAB até 1971, e hoje se encontra no Museu Matarazzo em São Paulo. Outros Gloster também foram doados e adornam jardins e praças públicas em vários pontos do país.
Agora vem a parte inusitada da história. Em meados da década de 1970, a FAB resolveu fazer inventário das peças e equipamentos restantes dos Gloster. Para isso, foi designada uma comissão para levantar os materiais de suprimento que haviam restado nos armazéns do Parque de Marte em São Paulo. Para surpresa dos inventariantes, em sete caixas de grande porte numeradas, foram encontradas as partes componentes de uma aeronave inteira novinha em folha. Ninguém soube explicar o porquê daquele Gloster novo, desmontado e não utilizado. O que teria acontecido? Como a história do rompimento da barreira do som por Sir Legranger não tinha sido levada a sério nem pelos gaúchos que a presenciaram, talvez por que não havia registro escrito, os militares que encontraram o Gloster encaixotado não fizeram a conexão entre o achado inusitado e a promessa do instrutor inglês. Mas para quem, como eu, conhece as duas pontas da história, fica a prova que não se deve duvidar da palavra de um britânico que tem um Sir acrescentado a seu nome de batismo. O F8 encontrado ainda teve uma vida útil na FAB por alguns anos. JAIR, Canoas, 07/07/12. 

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O bisão


Há indícios que desde o aparecimento do Homo sapiens sobre a superfície do Planeta começou uma sistemática, inexplicável e absurda prática de matança de outros seres de forma que, em muitos casos, estes não conseguiram dar prosseguimento as suas sobrevivências como espécies e extinguiram-se. Alguns arqueólogos chegam a sugerir que o extermínio dos mamutes peludos, há cerca de dez mil anos, está relacionado com a caça indiscriminada que o homem praticou nas planícies da Europa e Ásia. Embora essa matança de paquidermes não possa ser comprovada, existe uma destruição, de vidas animais, real e terrível nos tempos atuais, devidamente comprovada e documentada.  
Durante muitos séculos, o búfalo, - na verdade búfalo é outro animal, mas o Bisão americano é erroneamente chamado de búfalo – representou a fonte de proteínas básica da vida para os nativos da pradaria americana. A pele era matéria prima para confecção de roupas e abrigos contra o frio.
Tribos tinham vivido vidas nômades, em grande parte seguindo as manadas pelas pradarias, durante muito tempo, mas havia um equilíbrio que mantinha as manadas móveis e numerosas e os nativos alimentados e abrigados, a natureza não se ressentia da predação humana. Claro, na década 1870 não havia (como já existira) tantos como 50 milhões de búfalos nas planícies norte-americanas, mas havia manadas tão extensas que levava vários dias sua passagem por algum ponto.
Compreendo a completa dependência do índio pelo búfalo, os líderes do governo no século 19 lançaram uma campanha para eliminá-los (os bisões), e assim, forçar os índios adotar um estilo de vida sedentário e de fácil manejo em reservas, mais de acordo com as noções dominantes europeias de propriedade privada e "civilização". O Secretário do Interior Columbus Delano fez as seguintes observações em 1873: “A civilização do índio é impossível enquanto o búfalo continua nas planícies. Eu não lamento a sério o desaparecimento total do búfalo de nossas pradarias ocidentais, em seu efeito sobre os índios, considerando-a como um meio de apressar o seu sentimento de dependência dos produtos do solo e seus próprios trabalhos”. Equivalia dizer que índio sedentário era índio dominado, e assim os bisões deveriam ser extintos
Em seguida, três avanços tecnológicos estimularam o abate rápido do animal. A demanda por couro de bisão surgiu quando um método novo de curtir o couro foi desenvolvido. O método permitiu tornar a pele suave para confecção de casacos e jaquetas. O outro avanço era o desenvolvimento do rifle de repetição, permitindo que os caçadores matassem os animais em grandes números. Por último, a construção de ferrovias para o Far West (Oeste longínquo) facilitou o deslocamento tanto de caçadores profissionais quanto de “desportistas” que usavam o trem para acessar as planícies repletas do bovídeo. Dizem que gente rica alugava trens que cruzavam as planícies e atiravam indiscriminadamente nas manadas ao alcance de suas armas com miras telescópicas. Matar os bovinos selvagens tornou-se um esporte maldito, “atletas” da Grã-Bretanha viajavam para as planícies americanas para tomar parte na caça. Até o final da década de 1870, milhões de bisões foram abatidos por motivos de lucro e esporte. Foi nessa década que William Frederick Cody, conhecido como Buffalo Bill, tornou-se uma celebridade por ter matado milhares de bisões em curto espaço de tempo, como se caçar bichos indefesos fosse heroísmo. O pior, a maioria dos animais abatidos não trazia benefício a ninguém, as carcaças apodreciam nas planícies perdendo-se o potencial de proteínas e o couro que poderia servir para algo útil, apenas ossos, anos depois, foram usados como matéria prima para fertilizantes.
Temendo a fome, muitos nativos concordaram em assinar tratados com o homem branco. Muitos desistiram do modo nômade de vida e concordaram em viver nas reservas. Dentro de pouco tempo, um modo de vida que tinha sobrevivido ao longo dos séculos se foi. Os nativos tinham se submetido aos métodos desumanos que lhes tirou a principal fonte de proteínas.
Agora nos chega a notícia da morte do último macho conhecido da tartaruga-das-galápagos-de-pinta (Chelonoidis nigra abingdoni) uma subespécie de tartaruga terrestre endêmica da ilha de Pinta, no arquipélago de Galápagos. George, o solitário, como era conhecido o velho quelônio, passou a ser o mais novo troféu para a sala de suvenires do bípede imbecil, Homo sapiens. George tornou-se o único espécime conhecido depois que o homem introduziu na ilha de Pinta, cabras que devastaram a vegetação levando as tartarugas à virtual extinção. Na sala de troféus que já tem o último Dodô das Ilhas Mauricio, o último Tilacino (lobo da Tasmânia) da Austrália, o último Moa da Nova Zelândia; a última Ararinha Azul do Cerrado, do Brasil e milhares de outros mamíferos, peixes, insetos, aves e répteis. O Bisão americano só não teve o mesmo destino por que uns poucos fazendeiros viram a espécie como utilizável para cruzamento com o bovino europeu, resultando o que se convencionou chamar Beefalo, um animal extremamente resistente a doenças, que bebe pouca água, alimenta-se de pasto natural e fornece carne de excelente qualidade.
O extermínio das espécies só acabará no dia em que o último Homo sapiens empalhado for exibido como troféu na sala de algum alienígena que tiver visitado a Terra. JAIR, Floripa, 27/06/12.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Os diamantes


Diamantes exercem um fascínio inexplicável sobre os seres humanos. Não se sabe por que povos de civilizações e culturas completamente distintas, e em lugares distantes uns dos outros, em um ou outro estágio de suas existências, parecem ter sucumbido à magia que essas pedras possuem. Diamantes, diferente de outras pedras preciosas quaisquer, são as únicas gemas constituídas de um elemento apenas: carbono. Na história contemporânea, embora a maioria – cerca de oitenta e cinco por cento – da produção de diamantes se destine a uso industrial, são os diamantes usados na confecção de jóias os quais geram os maiores negócios que chegam a bilhões de dólares por ano. O centro mundial dos diamantes, onde se fazem as maiores transações e onde as cotações das pedras nascem, fica na Antuérpia e onde o gigante do ramo, o grupo De Beers, tem seu centro nervoso.
O grupo De Beers possui mineradora e empresa comercial de diamantes multinacional que tem controlado o fluxo de diamantes no mercado EUA por décadas. Talvez um título mais apropriado seja cartel, a De Beers foi formada como um grupo de produtores, cujo objetivo era a fixação de preços, abastecimento de controle e limitação da concorrência, e isso é exatamente o que a De Beers fez historicamente com o comércio de diamantes. Seu slogan “Um diamante é para sempre”, traduz a perenidade das gemas, mas bem poderia invocar a primazia da empresa na produção e comercialização de diamantes: “De Beers é para sempre”
O nome "De Beers" originou-se de dois agricultores africanos do sul, Diederik Arnoldus De Beers e Johannes Nicolau de Beers. Os irmãos De Beers descobriram diamantes em sua fazenda e incapazes de lidar com a constante tensão de proteger a fazenda contra o afluxo de aventureiros em busca de diamantes, eles venderam as terras e as minas. A terra foi local de duas minas de grande porte: Premier e Kimberly.
A posse dessas minas deu origem a competição entre grandes companhias e grandes investidores de forma que no fim das contas surgiu uma empresa De Beers com posse das duas minas e de outras mais existentes na África do Sul. De Beers Consolidated Mines Limited foi assim formada em 1888. Como grupo, eles possuíam as minas Premier, a maioria dos Kimberly, e várias outras minas. Mais de uma década depois a De Beers formou cartel.
Em 1930, Sir Ernest Oppenheimer, presidente da De Beers Group, surgiu com a idéia de "marketing de canal único", que ele definiu como "uma 'cooperativa de produtores’, incluindo a grande parte externa, ou não de produtores da De Beers em conformidade com a crença de que apenas através da limitação da quantidade de diamantes colocados no mercado, em conformidade com o pedido, e com a venda por um meio de canais, pode a estabilidade do comércio diamante ser mantida". Na prática, o que Oppenheimer quis dizer com “limitação da quantidade” é que através do controle da oferta, limitada apenas pela estrita observação da demanda, os preços poderiam ser mantidos lá no alto e as pedras gerariam lucros astronômicos. É o que acontece até hoje em nível mundial. A De Beers estipulou que colocaria à venda nos EUA um número de diamantes correspondente a exata quantidade de casamentos previstos no ano, assim não haveria excesso de oferta e os preços seriam mantidos, ou aumentados de acordo com a vontade de Sir Ernest. Considerando que nos EUA o costume dita que as noivas ganham um anel de diamantes ao receberem o pedido de casamento, a estratégia da De Beers foi (e continua sendo) tremendamente bem sucedida. Hoje um anel de noivado com diamante de boa qualidade de um quilate custa em torno de oito mil dólares. Na mina ou no garimpo um diamante assim custa de duzentos a trezentos dólares.
Esta estrutura nova do marketing de canal único, eventualmente, veio a ser conhecida como a Central Selling Organization (CSO). Basicamente, Oppenheimer formou um cartel com a premissa de que ele estava operando uma empresa legítima. Ele colocou para fora toda a competição e manteve o domínio sobre o fornecimento de diamantes, elevando seu valor e raridade através de uma oferta limitada que a De Beers distribuiu cuidadosamente. É legítimo dizer que desde então a De Beers tem possuído e controlado cerca de 90% da produção de diamantes no mundo, assim eles podem controlar a "raridade" e valor e manter um controle sobre a indústria lucrativa. Muitos dos seus negócios são obscuros, e eles são conhecidos por especial crueldade contra os seus concorrentes.
Além dessa óbvia jogada que mantém os diamantes sempre em alta, a De Beers foi acusada de ser cúmplice dos contrabandistas e guerrilheiros de Serra Leoa que, nos anos 80 e 90, extraiam diamantes através de trabalho escravo, e vendiam as pedras para comprar armas. Os trabalhadores dos garimpos eram mantidos sob regime de terror onde qualquer falta era punida com o decepamento da mão ou das mãos. Esse triste episódio deu surgimento à produção de “Diamante de sangue”, filme estrelado por Leonardo Di Caprio que relata a crueldade dos rebelados para com os garimpeiros de Serra Leoa.
Os diamantes não são raros, e a única razão de parecerem raros é por causa da De Beers. Sua regulamentação estrita de diamantes apóia preços ridiculamente altos e um valor artificialmente inflado e que permanece até hoje. E parece que governos e órgãos internacionais nada fazem a respeito porque diamantes não são gêneros de primeira necessidade, aliás, nem de última necessidade, o mundo pode passar perfeitamente bem sem eles, então a De Beers vai continuar dando as cartas e faturando bilhões “para sempre”, como diz o slogan deles. JAIR, Floripa, 01/07/12.