quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Cenote

Turistas nadando no Cenote Ik-Kil
Próximo à cidade em que vim ao mundo, Palmeira, existe um enorme formação rochosa de arenito que, onde aflorou, deu origem a Vila Velha, monumentos rochosos naturais esculpidos por água e ventos; e, onde não é visível, permite a existência de rios subterrâneos que, eventualmente, formam cavernas, uma das quais descobri juntamente com meu primo Joel e já a descrevi neste blogue. Pois bem, os rios subterrâneos tendem a corroer o arenito formando a ditas cavernas e, em alguns casos, o teto desmorona dando forma a buracos redondos que lá chamamos de furnas. Bem próximo a Vila Velha existem três furnas, sendo a mais impressionante um poço circular de oitenta metros de diâmetro com mais de cem metros de profundidade e cinquenta metros de água.
Na península de Yucatán acontece algo semelhante, mas em escala centenas de vezes maior e mais espetacular. A península de Yucatán é uma planície calcária e não possui córregos ou rios de superfície. Contudo, por ser calcária – e o calcário é rocha menos resistente que o arenito – há uma profusão de rios subterrâneos. Mais do que no Paraná os rios da península formam cavernas em maior número e estas, também em maior número, tendem a desmoronar formando poços arredondados e profundos, lá chamados cenotes. Esses cenotes – mais de oitocentos - estão espalhados por toda a península, mas o mais importante chama-se cenote sagrado de Chichén Itzá e está localizado junto ao sítio arqueológico maya Chichén Itzá que numa tradução livre quer dizer "boca do poço do Itza".
Os mayas consideravam que o cenote sagrado era uma das três entradas para o paraíso dos mortos. Eles acreditavam que podiam se comunicar com os deuses e ancestrais, oferecendo sacrifícios no cenote. Os Mayas costumavam rezar por colheitas abundantes, chuvas boas e fortuna. Depois do “descobrimento” até padres coletavam água do cenote que eles julgavam ser sagrado, para eles a água era benta. Os sacerdotes mayas lançavam oferendas em forma de cerâmica, peças de ouro e prata e, eventualmente, prisioneiros sacrificados ao cenote.
Porque a água dos cenotes é altamente alcalina costuma preservar até objetos perecíveis. Objetos de madeira, por exemplo, que em outro meio teriam desaparecido, foram encontrados em boas condições naquela água. A possível existência de valiosos tesouros no fundo do cenote sagrado aguçou a ganância de exploradores desde que se descobriu Chichén Itzá. Assim, em 1904, Edward Herbert Thompson, vice-cônsul dos EUA no México, comprou a área de Chichén Itzá com o único intuito de prospectar o fundo do cenote sagrado em busca de tesouros mayas. Para isso usou um sistema de roldanas acionado por motor a vapor que incluía uma série de grande baldes numa corrente, os quais, como uma draga, iam retirando a lama do fundo e vertendo-a numa depressão próxima. Em seguida pesquisava-se a lama que acabou oferecendo uma grande variedade de objetos de madeira, incluindo armas, cetros, ídolos, ferramentas e jóias. Jade foi a maior categoria de objetos encontrados seguido de têxteis. A presença de jade, ouro, cobre no cenote oferece uma prova da importância das Chichén Itzá como um centro cultural. Nenhuma dessas matérias-primas é nativa do Yucatán, supondo que pessoas (outros mayas) viajaram para Chichén Itzá de outros lugares da América Central, a fim de adorar os deuses. Pedra, cerâmica, ossos humanos e conchas também foram encontrados no cenote. Arqueólogos descobriram que muitos objetos mostram evidências de serem intencionalmente danificados antes de serem jogados no cenote, denotando uma ritualidade não muito clara do porquê dessa atitude.
A maioria das principais descobertas do cenote feitas sob a supervisão de Edward Herbert Thompson ele vendeu. Oitenta por cento do resultado dessa busca de Thompson pode ser encontrado no Museu Peabody da Universidade de Harvard, os restantes vinte por cento foram vendidos para o governo mexicano e se encontram no Museu Maya na Cidade do México.
Em 1909, Thompson decidiu mergulhar no cenote para explorar o fundo. Apesar da pouca visibilidade ele encontrou uma camada de cinco metros de lama que continha vários objetos de ouro. Em 1961, William Folan, um diretor de campo para o Instituto Nacional de Antropologia e Historia (INAH), ajudou a lançar outra expedição ao cenote.
Algumas das suas descobertas notáveis incluíram um osso com inscrições e uma faca de obsidiana com cabo de ouro, revestida numa bainha de madeira com mosaico de jade e turquesa. Em 1967, Román Piña Chán fez outra expedição. Ele tentou dois novos métodos que muitas pessoas tinham sugerido por um longo tempo: o esvaziamento da água do cenote e clarificação da água. Ambos os métodos foram apenas parcialmente bem sucedidos. Apenas cerca de quatro metros de água puderam ser removidos, o cenote é alimentado por rio subterrâneo que impede seu esvaziamento total. Também a água foi clarificada por apenas um curto período de tempo.
Depois dessas incursões não muito produtivas, o governo mexicano proibiu quaisquer prospecções no local e o definiu como patrimônio histórico nacional. Tive oportunidade de visitar o Cenote Ik-kil que está liberado para natação para os turistas. Para isso, foi construída uma “rampa” em forma de túnel em espiral que dá acesso ao espelho d’áqua a quase trinta metros de profundidade. Atualmente, mergulhadores especializados em cavernas costumam explorar outros cenotes do Yucatán onde têm encontrado ossos de animais pré históricos e algumas ossadas humanas eventualmente, mas nunca tesouros. JAIR, Floripa, 07/10/12.

domingo, 7 de outubro de 2012

Os Mayas



Agora em 2012 os Mayas, mais uma vez, viraram notícia por causa de seu calendário que, supostamente, marca o fim dos tempos para o dia 21 de dezembro. Objeto de milhares de conjeturas fantásticas, grande produção de oliúde e saites aos borbotões, o calendário realmente existe e o original se encontra num museu em Londres, cópia dele está no Museu Maya na cidade do México.
Estive passeando no México, na península de Yucatán, e tive oportunidade de ir até Chichén Itzá, local onde se situa a chamada “cidade Maya” que tem a famosa pirâmide e vários outros monumentos construídos com fins rituais religiosos nos anos mil de nossa era.
Os Mayas eram um povo que construiu uma civilização na região de florestas tropicais onde hoje é a Guatemala, Honduras e Península de Yucatán no México. Este povo desenvolveu sua fantástica cultura, aparentemente autóctone, a partir de 900 anos antes de Cristo que durou até em torno do ano 1200 de nossa era quando as camadas mais pobres do povo revoltaram-se destituindo e matando a nobreza numa espécie de “revolução francesa” que deu feição de anarquismo à organização que restou. Em seguida, outros povos invadiram a região e destruíram sua estrutura social. Só restando a partir daí aldeias isoladas sem qualquer vínculo com a antiga civilização a não ser a língua e as habilidades artesanais.
O fato é que, apesar de historiadores e outros estudiosos referirem a um “império Maya”, há indícios que eles nunca chegaram a formar um império unificado, uma nação com um comando central e estrutura administrativa que permitisse a existência de um exército coeso que pudesse defender com eficácia “suas fronteiras”. Parece que essa falha favoreceu a invasão das terras pelos Toltecas que eram guerreiros mais organizados. Como é fácil de perceber pelas ruínas dos monumentos que restaram, as cidades não eram necessariamente locais de residência do povo, elas abrigavam o núcleo do poder religioso e das decisões políticas da civilização. O povão morava fora dos muros das cidades e a eles cabia obedecer e pagar impostos. O poder imperial – uma junta de sacerdotes e gente de sangue azul - era considerado um representante dos deuses no Planeta Terra. A zona urbana – local onde se localiza a pirâmide - era habitada apenas pelos nobres (família real), sacerdotes (responsáveis pelos cultos e saberes), chefes militares e administradores do império (cobradores de impostos). Vê-se que o Plano Piloto de Brasília teve uma fonte antiga onde beber. Os camponeses, artesãos e trabalhadores urbanos que formavam a base da sociedade, não tinham privilégios só lhes cabia apoiar os nobres. Qualquer semelhança com os decadentes impérios europeus do século dezenove, talvez seja mera coincidência, mas os efeitos maléficos que essa estratificação social causou à organização não o é.
A agricultura era a base da economia, principalmente o cultivo de milho, feijão e batatas. E eles desenvolveram técnicas de irrigação que eram muito avançadas para a época. Praticavam o comércio de mercadorias com povos vizinhos e no interior do império e para isso construíram “estradas” que são perfeitamente detectáveis ainda. Tive oportunidade de ver uma delas.
Ergueram pirâmides, templos e palácios, demonstrando um grande avanço arquitetônico. O artesanato também se destacou: fiação de tecidos, uso de tintas em tecidos e roupas.
Desenvolveram escrita pictorial na qual os símbolos, a exemplo de nosso alfabeto, representavam os sons como as letras os representam para nós. Tanto articulado era o idioma escrito, que hoje é possível representar nosso alfabeto com os hieróglifos mayas. Isto é, pode-se “escrever” nossas palavras com os símbolos deles sem qualquer prejuízo para a compreensão. Como a língua maya está viva, não é difícil comparar suas representações fonéticas com os sons que usamos, há símbolos para todas as nossas letras.
Transposição dos hieróglifos mayas para nosso alfabeto.
Na matemática usavam sistema trinário – três dígitos: zero, um e cinco. Antes que alguém ache três dígitos uma aberração, é só lembrar que os computadores só usam dois: zero e um. Curiosamente, já conheciam o zero antes do mundo ocidental. Com esses três dígitos construíram um calendário funcional quase perpétuo que hoje é objeto de vasta especulação. Seus descendentes que vivem na região do Yucatán conseguem transpor qualquer data atual do nosso gregoriano calendário, para calendário deles. Essa habilidade, que não é difícil de entender depois que nos explicam como funciona o sistema trinário, falcuta-lhes amealhar alguns pesos dos turistas pela confecção de amuletos pingentes de prata com quaisquer datas que interesse ao turista.
Na arquitetura, não precisa dizer, suas pirâmides, embora semelhantes às egípcias em escala menor, são de esmerado acabamento e pejadas de inscrições e formas geométricas que lhes conferem um valor artístico invejável. Como os mayas não dispunham de metal duro para lavrar as pedras calcárias que usaram na confecção de seus monumentos, pirâmides e templos, fizeram uso de obsidiana, uma rocha vulcânica extremamente dura. O problema é que não existe obsidiana no Yucatán, então, deduz-se, eles a importavam de regiões longínquas como América Central. Lamentavelmente alguns monumentos foram explodidos pelos exploradores em busca de ouro, o qual inexistia.
Hoje o sítio Chichén Itzá é uma das sete maravilhas do mundo, tombado como patrimônio histórico da humanidade, assim como o é o Cristo Redentor do Rio de Janeiro. JAIR, Floripa, 07/10/12.