sexta-feira, 31 de maio de 2013

Grécia


Acrópole
Vulcão em Santorini 1950.

É meu costume tecer algumas impressões sobre as terras e povos que conheço em minhas viagens. Acabo de escrever sobre o Havaí e agora que estou em Santorini depois de passar por Atenas, impõe-se um registro em forma de pinceladas sobre esta que foi a pátria dos grandes filósofos que influenciam a cultura ocidental até hoje.
Tenho um conhecido grego muito especial que casou com uma amiga nossa – infelizmente falecida a poucos meses – o qual não estou visitando nesta viagem, mas que já esteve em minha casa no Brasil algumas vezes. Pois bem, esse grego, Panaiotis Dotsikas, médico cirurgião plástico, fala bem o português de modo que podemos desenvolver altos papos sem perda de qualidade de informações. Em certa ocasião, observei que o grande passado digamos, “civilizatório“ grego, devia ter algum peso no sentimento do homem helênico comum nos tempos atuais. Ele, o Panaiotis, concordou comigo e afirmou que esse alentado passado filosófico é tão significativo que, ao ser lembrado, coisa que acontece sempre, é sentido como uma pirâmide invertida sobre a cabeça dos gregos atuais. O passado deste povo é maior que o presente, seu peso é muito difícil de carregar em vista da vida comum, e porque não dizer medíocre, que os gregos vivem hoje. Ainda mais agora, aderidos a CEE, onde parceiros mais abastados dão as cartas no jogo e países como Espanha, Portugal e Grécia, o mais das vezes concordam de cabeça baixa, submissos.
Outro dia acabei de ler um interessante livro sobre a crise econômica mundial que assola especialmente a Europa e os EUA. No que se refere à Grécia o autor destacou que a insolvência do Estado está ligada à baixa arrecadação de taxas e impostos que incidem sobre grandes investidores, profissionais liberais e pessoas abastadas. Claro que para nós brasileiros não é tanta novidade observar que quem tem mais poder aquisitivo em geral paga menos impostos, mas parece que aqui na terra onde nasceram as Olimpíadas, não há necessidade de grandes obras públicas e eventos patrocinados pelo Estado para que os mais ricos se valham com mais assiduidade da “Lei de Gérson”. Contrário ao Patropi, onde a Receita Federal está sempre atenta às declarações e, às vezes, até mesmo às ostentações, na Grécia o rico, o especulador e o profissional liberal infrator podem ficar tranquilos, quem está no poder está tão atolado em sonegação que não toma qualquer atitude para não entornar o caldo. Mas os pobres e assalariados se parecem muito com nós brasileiros, continuam pagando a conta maior dos impostos. A Grécia é um Brasil dois ponto zero europeu quando se trata de impostos, não deverá sair do atoleiro sem um vassourada firme em forma de auditoria séria nas suas contas.
Então esse é o país arquipélago composto de centenas de ilhas onde se encontra Santorini, ilha que estou hospedado há alguns dias. Santorini, para quem é fascinado por geologia como eu, é um prato cheio. A ilha principal que tem forma de um “C” invertido com três outras ilhas menores no seu interior, foi formada por vulcões a partir de 600 mil anos atrás. Pela Wikipédia fico sabendo que Santorini é o vulcão mais ativo do denominado Arco Egeu, sendo constituída por uma grande caldeira submersa, rodeada pelos restos dos seus flancos. Esta forma atual da ilha deve-se, em grande parte, à violentíssima erupção que há aproximadamente 3.500 anos atrás explodiu mais de oitenta por cento do território da ilha. A erupção, citada pelos geólogos como a mais violenta dos tempos históricos, algo equivalente a um milhão de bombas atômicas de Hiroshima, criou a atual caldeira e produziu depósitos de cinzas, lavas e pedras com algumas centenas de metros de espessura que recobriram tudo o que restou da ilha e ainda atingiram grandes áreas do Egeu e dos territórios vizinhos. As camadas geológicas alternadas são perfeitamente visíveis nas encostas desmoronadas da ilha. Há indicações seguras que a erupção parece estar ligada ao colapso da fabulosa Civilização Minóica na ilha de Creta, distante de Santorini 110 km ao sul. Fora isso, há 63 anos atrás aconteceu a última erupção numa ilha que posso ver da minha janela a poucas centenas de metros. O que resultou de bom de toda essa atividade sismológica é que as terras vulcânicas de Santorini são extremamente férteis, aqui todo mundo planta uvas e produz vinho de excelente qualidade. As frutas e legumes produzidos pelos ilhéus - eles fazem questão de dizer - são vendidos em todos os supermercados e mercadinhos da ilha e nada devem em qualidade às melhores produções de qualquer parte do Planeta. Não tenho dúvidas que eles estão certos, comi as frutas locais e as considerei excelentes.
Feitas as contas, guardando respeito pelo passado esmagadoramente influente, a situação da Grécia atual está amparada na excelência do turismo que aproveita o potencial de seu arquipélago privilegiado de belezas naturais.  Independente de modismo, vale muito à pena visitar as ruínas do império na capital Atenas onde se pode ver a excelência das engenharias helênica e romana que construíram monumentos de tal ordem de grandeza e complexidade que é difícil imaginar como o fizeram há mais de dois mil anos atrás. Quando visitei a Acrópole vi o local tal uma praça denominado “Perypatus” e quase consegui enxergar Aristóteles andando, seguido de seus pupilos, versando pausadamente sobre botânica, biologia, lógica, música, matemática, astronomia, medicina, cosmologia, física, história da filosofia, metafísica, psicologia, ética, teologia, retórica, história política, do governo e da teoria política, retórica e as artes. Tudo que acabou sendo incorporado à nossa cultura ocidental e deu feição ao que hoje somos. Ευχαριστώ Ελλάδα! Obrigado Grécia! JAIR, Santorini, 19/05/13.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Interações





Nas minhas observações, por assim dizer, antropológicas das pessoas que me cercam, sempre olhei com bons olhos as “miscigenações”. Me deleito ao ver casais “mistos” em que um dos cônjuges ou um dos companheiros é diferente do outro, seja na cor, seja na etnia ou seja na nação de origem. Me amarro quando observo uma pessoa de cor negra junto a outra de pele branca, ou um aparente indígena com seu companheiro de características físicas distintas ou de cultura outra que não a sua. O mesmo vale para orientais e companheiros não orientais. Parece que casais mistos me fazem acreditar que a humanidade tem jeito, isto é, se pessoas de origens diferentes se unem e geram prole, estaremos mais próximos de abolir para sempre os preconceitos que criam desavenças culturais e guerras. Sonho que um dia a amálgama de todos com todos conduzirá a uma civilização solidária onde rusgas e desentendimentos raciais, religiosos, sociais, políticos, civilizatórios, culturais e entre nações serão coisa do passado.
Hoje participei aqui no Havaí do casamento de meu filho mais novo, Adriano. Ele casou com uma canadense. Falando assim nada de muito inusitado ou estranho, mas se levarmos em conta que ele mora na Austrália, ela no Canadá e casaram no estado norte americano mais longe do território continental daquela país, já começa a ficar interessante essa união.
Então vamos entender um pouco da cerimônia e suas interações culturais. A canadense Megan é filha de descendentes russos que vieram para o Canadá há quase 120 anos, mas conservam costumes de sua ancestral comunidade doukhobor. Os doukhobors são uma seita de cristãos russos que imigraram para o Canadá no fim do século 19 por terem sido perseguidos pelos imperadores russos que os queriam obrigar a servir nas forças armadas, atividade contrária ao seu pacifismo. Eles se instalaram no sudeste da Columbia Britânica, Alberta e Saskatchewan.
Entre os 41 convidados da festa havia uns vinte russos/canadenses, três ou quatro russos, uma ucraniana, cinco ou seis australianos, alguns norte americanos e quatro brasileiros, minha mulher, eu e os dois filhos, sendo que o nubente é cidadão australiano e o outro cidadão americano. Pois bem, por essa mixórdia já dá para perceber que existia certa amálgama de pessoas de origens diferentes. Falta dizer apenas que o pastor que realizou a cerimônia era havaiano nativo.
Para ilustrar bem como foi esse intercâmbio vale dizer que a cerimônia  foi realizada no idioma havaiano pelo pastor, em russo e inglês pelos parentes russos e canadenses e em português por mim e minha mulher. E um pouco de espanhol permeou as conversas de nós (minha mulher e eu) brasileiros com uns norte americanos que arranhavam o idioma de Cervantes. O francês de alguns canadenses francófilos também pontuou um pouquinho e o ucraniano da moça que o falava ficou dormente. O ritual em si foi um misto de casamento cristão, russo doukhoboriano e havaiano. As pessoas que lá se encontravam tinham olhos claros, exceto minha família e o oficiante havaiano. Vale contar que o pastor Lino, tem um antecedente longínquo português de sobrenome Lopes, o que nos fez quase aparentados e criou um clima de cordialidade cúmplice entre nós os brazucas e ele.
Essa união também torna-se interessante porque os doukhobors, por serem pacifistas extremados, escrutinaram o comportamento e a origem de meu filho para ter certeza que não estavam introduzindo um potencial cavalo de Tróia belicista ou adepto de armas e violência em sua comunidade. Os pais da Megan, Marilyn e Paul, estiveram até na Austrália conferindo in loco a vida do nosso filho. Para felicidade dos apaixonados Adriano e Megan nada desabonável foi encontrado em sua pacata vidinha de mineiro australiano. Aloha! JAIR, Mauí, 11/05/2013.


sábado, 18 de maio de 2013

Gatos e marinheiros



Todos sabemos que a evolução dos seres vivos deste Planeta se faz através de adaptações ao meio, de forma que o mais apto tem maior possibilidade de sobrevivência e de deixar descendentes. A lógica da evolução é muito simples. Em todos os seres vivos existem variações, assim como cores, tamanhos, aptidões e capacidades diversas, as quais são passadas de geração em geração. Nascem mais indivíduos do que são capazes de viver e procriar, o que equivale dizer que se o indivíduo morre cedo em geral não deixa descendentes. Em consequência, desenvolve-se uma batalha por permanecer vivo e encontrar um(a) parceiro(a). Nessa luta aqueles que possuem certas variantes (os mais aptos, no dizer de Darwin) prevalecem sobre os que não as têm. Tais diferenças passam para seus herdeiros pela capacidade de transmitir genes – seleção natural – significa que formas favoráveis tornam-se mais comuns com o passar das gerações.
Ocorre que a “disputa” pela sobrevivência opõe carnívoros e herbívoros, por excelência, de forma que uns e outros – gazelas e leões, por exemplo – disputam uma “corrida” evolutiva na qual vence o mais rápido, o mais ágil, o mais esperto. Também, nessa luta, os meios de propagação das espécies estão ligados a mecanismos que tornam isso possível. Assim, as plantas floríferas utilizam veículos que transportam seus pólens para fertilizar “parceiros” que transmitirão seus genes para a geração seguinte. Cada planta desenvolveu “parceria” com o vento, insetos e outros animais para se perpetuar.
O trevo vermelho é um caso que resulta numa boa estória. Até Darwin observou que o trevo vermelho é polinizado tão somente pela mamangaba, uma espécie de abelha grande, aliás, em alguns lugares chamada de abelhão. Este é único inseto que pelo seu porte é capaz de se introduzir no âmago da flor para retirar o néctar que lhe garante a sobrevivência e, desse modo, “sujar-se” do pólen que vai engravidar outra planta da mesma espécie. É tão completamente biunívoca essa relação trevo/mamangaba que um deixará de existir se o outro desaparecer, segundo entomologistas e botânicos.
Exemplo gritante dessa relação encontra-se na Nova Zelândia. Para lá foram transplantados trevos vermelhos que são alimentação excelente para o gado vacum. Como essa planta não é natural de lá, foi necessário importar os abelhões para tornar possível a perpetuação dos trevos naquelas bandas. Não havendo predadores das mamangabas na Nova Zelândia, os insetos se multiplicaram com facilidade de forma que os trevos tornaram-se abundantes e viçosos com nítida vantagem para a criação de gado. A carne de gado vacum é abundante, barata e de boa qualidade, de forma que concorre com facilidade com a carne produzida na Europa. A Nova Zelândia agora exporta carne para a Inglaterra, país que lhe forneceu o trevo e os abelhões.
Mas a estória é a seguinte. Na Inglaterra, notou-se, os ninhos dos abelhões naturais dos campos são mais abundantes nas proximidades das aldeias e pequenas cidades. E que essas mesmas aglomerações humanas têm muitos gatos domésticos. Como o predador natural dos abelhões é o rato, onde há gatos a população de ratos diminui e a das mamangabas aumenta, de modo que o trevo vermelho se beneficia da polinização que esse aumento propicia. Mais trevo disponível, gado mais gordo, sadio e abundante. E a estória continua. O trevo abundante graças aos gatos resulta em produção alentada de carne que é alimentação principal dos marinheiros. Há, portanto, a inferência que gatos fizeram da Inglaterra vitoriana a grande potência marítima que determinou o formato do mundo hoje. Em seguida, Thomas Huxley sugere que as solteironas britânicas com sua mania de adotar gatos, são responsáveis pelo poderio da marinha da Inglaterra.  
Para fechar o círculo, o francês Fischesser é de opinião que o poderio marítimo inglês ao privar de maridos as mulheres, estas se voltam para criação de gatos que, em última análise, são responsáveis por esse mesmo poderio marítimo. A sábia natureza com um empurrãozinho do não tão sábio Homo sapiens, pratica uma circunvolução evolucionista que dá um nó até na história moderna. JAIR, Floripa, 15/04/2013. 

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Havaí



Estou aqui no meio do Pacífico, no arquipélago do Havaí, ilha Maui, para onde vim, juntamente com minha mulher, para o casamento de nosso filho Adriano. Claro, para todo mundo que já viu no cinema aqueles filmes nos quais oliúde foca a excentricidade da cultura de um antigo povo polinésio que aqui aportou há milhares de anos, o Havaí é hula-hula; mulheres sensuais exbindo-se quase nuas para turistas excitados; sarongues e colares de flores.  Para os mais ligados aos novos tempos, Havaí é onde nasceu Barak Obama, único presidente norte americano a ter nascido neste arquipélago, ou grandes ondas dos sonhos de surfistas do Planeta inteiro.
Da história muito pouco se sabe. A maioria lembra que foi aqui que começou a guerra entre os EUA e os Japoneses depois que estes atacaram a chamada Frota do Pacífico no dia 07 de dezembro de 1941, afundando diversos navios, danificando muitos outros e matando cerca de 2400 militares que serviam na Base de Peal Harbor. Mas, não parece estranho que norte-americanos tenham um estado ilhéu extracontinental a mais de 3200 quilômetros do continente? Pois é, o arquipélago que possui 132 ilhas com oito delas habitadas desde que navegadores polinésios por aqui atracaram há milhares de anos e formaram uma  civilização sob regime de um rei, é estado norte americano.
Ao longo dos séculos vários navegantes ingleses, franceses, holandeses, portugueses e até alemães “descobriram” as ilhas por diversas vezes. Mas foi o comandante inglês James Cook o primeiro a desembarcar em 18 de janeiro de 1778. Portanto, a Cook é creditada a descoberta do arquipélago por ter sido o primeiro a registrar oficialmente o encontro, bem como o primeiro a fornecer as suas coordenadas geográficas. Cook nomeou o arquipélago de Ilhas Sanduíche, em homenagem ao Duque de Sandwich, um lorde britânico, nome este que por vezes ainda é utilizado em alguns atlas.
Depois dessas visitas não especialmente bem vindas, os europeus passaram a fazer das ilhas um ponto de abastecimento em  seus deslocamentos através do pacífico, dando assim oportunidade para que os ilhéus fizessem negócios com eles. Os havaianos então tornaram-se fornecedores de madeira, frutas e água para os navegantes. Passaram a ser exportadores de madeira até para o Japão, de modo que acabaram com as florestas das ilhas.
Geologicamente o arquipélago é relativamente novo, tem pouco mais de cinquenta milhões de anos e ainda está em formação. Está sendo “vomitado” do manto terrestre por vulcões que se formam no que os geólogos chamam de “ponto quente” no fundo do oceano. Na medida em que a placa oceânica se move para o noroeste o ponto quente vai formando as ilhas numa sequência. Hoje quem está em “construindo” a última ilha – Big Island - é o Kilauea, o vulcão mais ativo do mundo e um espetáculo que nos próximos dias vou conhecer de perto. Estou com uma excursão programada para visitá-lo.
Pois bem, então estavam os havaianos vivendo sua monarquia, vendendo seus produtos para os europeus, sendo visitados por missionários cristãos que os converteram em sua maioria, quando os EUA em 1898, depois de ter vencido a Espanha numa guerra na qual arrancou do inimigo as Filipinas, Porto Rico e Cuba, resolveu avançar um pouco mais nas suas ambições territorialistas e tomou posse do Havai donde não mais saiu.  Depois de algum tempo o conjunto de ilhas tornou-se estado dos EUA e passou a abrigar a maior base aeronaval extracontinental daquele país. A Base de Pearl Harbor tem um imenso significado estratégico para a segurança da Frota do Pacífico dos EUA.
Hoje a  população dessas ilhas é composta pelos descendentes dos antigos moradores, norte americanos migrados para cá ou aqui nascidos e um expressivo contingente de japoneses. Essa miscelânea de povos tão distintos marca indelevelmente a cultura e o estilo de vida deste estado que tem como produtos principais de exportação abacaxi, açúcar de cana e café, aliás, café de excelente qualidade o qual estou levando dois quilos na bagagem para o Brasil.
Pode-se afirmar que o Havaí é o único estado dos EUA com cara própria, o comportamento do povo daqui foge completamente dos jeitões quase estereotipados dos norte americanos continentais. O uso do idioma havaiano é tão difundido que existe até estações de TV e rádios transmitindo nessa língua full time. Contudo, ainda que o status de estado dê a estes pedaços de terra perdidos no mar o mesmo padrão de vida e as mesmas facilidades dos estados continentais, ainda existe um pequeno ressaibo de mágoa nos havaianos. Quando os “nativos” se referem aos EUA continental, dizem com certa ironia: Main land, de forma meio enfática estabelecendo que aqui eles são diferentes, cidadãos menores do império. Algo assim como o Brasil colônia se referia à matriz, Portugal. Aloha! JAIR, Havaí, 10/05/13. 

quarta-feira, 1 de maio de 2013

O guarda-chuva



Quando eu tinha catorze anos comprei meu primeiro guarda-chuva. Comprei-o a prestações de uma mascate ambulante (Mascate ambulante? Não será todo mascate, ambulante?) de nome Germano, que passava periodicamente pela cidade vendendo “coisas”. Na verdade sua bagagem consistia de duas imensas malas cheias de cacarecos que não eram facilmente encontráveis no comércio de cidade pequena como Palmeira. Então, seu Germano fazia a festa. Foi assim que acabei comprando o tal guarda-chuva em suaves seis prestações, porque, apesar de já trabalhar duro numa madeireira, oque eu ganhava – meio salário mínimo – mal dava para ir ao cinema de vez em quando. Acrescente-se que era uma guarda-chuvinha bem furrepa, uma pancada mais forte e água em spray passava pelo pano quase transparente e molhava a roupa e os cabelos.
Porque estou contando essa tão pouco esfuziante história? Por que um dia destes, aqui em Floripa, despencou uma iracunda chuva de verão com rajadas fortes de vento bem na hora em que eu havia saído para almoçar. Esclarecendo, aqui em casa há mais de dez anos não fazemos almoço, comemos em restaurantes porque sai mais barato e é mais prático. Assim não precisamos lavar louças, fazer compras de gêneros alimentícios, não deixamos sobras de comida e não passamos tempo na cozinha. Bem, dizia eu que havia saído para almoçar e caiu uma tempestade implacável. O que me chamou atenção durante o curto percurso de meu apartamento ao restaurante ida e volta, foi a grande quantidade de guarda-chuvas abandonados na rua. Impressionante, nuns poucos quarteirões contei despreocupadamente seis ou sete desses objetos atirados fora em mau estado provavelmente em decorrência das rajadas de vento.
Então ficam algumas observações.  Quando adquiri com grande sacrifício meu primeiro e não tão bom guarda-chuva, este se tornou um objeto caro – lembremos que o comprei a prestações - de muita utilidade e que requeria grande cuidado, eu não podia me dar ao luxo de extraviá-lo ou danificar porque isso podia significar não poder comprar outro e ter que me molhar à menor chuvinha; hoje os guarda-chuvas vêm da China a um preço irrisório e os portadores não estão apegados a esse bem que, se perdido, pode ser reposto com grande facilidade; o meu primeiro guarda-chuva, apesar de ser de pouca qualidade para os padrões da época, era muito mais resistente que maioria dos atuais; naquele tempo objetos como guarda-chuvas não eram particularmente fáceis de encontrar, não havia muita disponibilidade, ainda mais em cidades pequenas como Palmeira.
Hoje a sociedade de consumo talvez não entenda como pode um simples guarda-chuva ser comprado a prestações. Em qualquer ponto de qualquer cidade podem ser adquiridos guarda-chuvas por até cinco reais. Veja bem, cinco reais! Dá prá imaginar fazer seis prestações mensais para comprar um objeto de cinco reais? A coisa é tão surrealista que parece que vivi minha experiência em outro século. Pensando bem, foi em outro século mesmo e eu é que estou velho e não posso negar. Abraços, JAIR, Floripa, 14/04/2013.