segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A pesca

Todos temos sonhos desde crianças, aliás, todos temos direito aos sonhos, algumas vezes insanos, teatrais, absurdos, outras pé fincado no solo. Sonhos irrealizáveis o mais das vezes, mas alguns, por conjunções nem um pouco claras aos  mortais comuns, acabam sendo realizados na mais perfeita forma. 
Quando eu era criança de sete ou oito anos na minha querida Palmeira, vi uma ilustração em uma revista infantil que mostrava um esquimó pescando num lago congelado. A superfície congelada do lago, significava que o pescador teve que fazer um buraco no gelo e pescar através dele. Fascinante para qualquer adulto não afeito às coisas dos invernos austrais, imagine para um guri imaginativo e tímido que sempre fui.
Como narrei em outros textos, sempre gostei de pescar com caniço, linha, anzol e algumas minhocas. Não foram poucas as vezes que, juntamente com meu primo Joel, percorri os riachos, córregos, riozinhos, sangas e arroios das cercanias da cidade, ou umas tantas vezes mais acompanhei meu pai e seus companheiros adultos em pescarias mais longas e produtivas no Rio Iguaçu, Tibagi ou Canhu, todos rios menos ou mais volumosos pertencentes ao, ou meramente passantes pelo planalto dos campos gerais do Paraná.    
As pescarias passaram a fazer parte de minha vida adulta também, isto é, já casado mas sem filhos minha mulher e eu pescávamos não só em rios e riachos, mas no mar, nas costas rochosas do oceano em Florianópolis e adjacências. Quando os filhos vieram, desde seus dois ou três anos ambos me acompanhavam na pesca em beiradas de rios. Moramos por dois anos em Campo Grande, MS, onde as possibilidades de pesca em rios caudalosos repletos de pacus, dourados e pintados era fato concreto e nos foi possível realizar algumas pescarias bem interessantes.
Mas e a pesca em lago congelado? Pois é, o sonho de fisgar peixes através de um furo no gelo – sonho do tempo de menino – vez ou outra me vinha à mente sem, contudo, assumir ares de coisa realizável. Inimaginável sob quaisquer óticas, meu sonho infantil aninhou-se em algum recôndito de meu cérebro e não me incomodou por muitos anos, no fundo do inconsciente estava e lá ficou dormitando. Mas, como dizia a mãe de Forrest Gump, a vida é como uma caixa de bombons você nunca sabe o que vai encontrar dentro.
Então, neste ano treze do terceiro milênio, ao abrir minha caixa de bombons em maio – casamento de meu filho Adriano com Megan, uma canadense – surgiu a possibilidade concreta de um natal branco no Canadá com potencial bônus de pescaria em piscoso lago congelado.
Viemos ao Canadá neste dezembro e nos hospedamos na casa dos pais da Megan. Paul e Marylin, pessoas muito finas e cordiais como soem ser os canadenses. Paul interessou-se pela minha “causa” e, no fim de semana que precedeu o natal, ativou seus contatos que gostam de pesca, providenciou equipamentos, calçados, roupas e iscas e lá fomos nós rumo ao Summit Lake, distante duzentos quilômetros ao norte de Castlegar, pequena cidade – sete mil  habitantes - onde nos encontramos hospedados.
Summit Lake é um pequeno lago com quatro quilômetros de comprimento por um de largura e que congela todos os invernos. Munidos de licença de pesca que providenciamos junto ao órgão competente ao custo de vinte dólares por pessoa, que dá direito à pesca de dois exemplares por espécie por pessoa por dia, lá fomos nós apetrechados e cheios de entusiasmo.
No local, a seis graus centígrados abaixo de zero, caminhamos até o meio do lago e, com trado especialmente bolado para perfurar no gelo um buraco suficientemente largo para passagem de qualquer peixe ali existente, fizemos os buracos na superfície congelada que apresentava um pouco mais de vinte centímetros de espessura. Começou a realização do devaneio onírico de minha infância. Fiz questão de fazer o buraco por onde introduzi a linha. Curiosamente a isca primeira, a mais usada para a pesca de trutas é a minhoca. Isca de minhoca numa ponta da linha e esperança na outra pescamos os dez peixes que as cinco licenças nos davam direito. Eu pesquei três trutas. Fico por aqui, não há necessidade de dizer mais nada, a não ser que jantamos os peixes naquele dia, os quais sabiam a delicioso sabor selvagem. Fiquei feliz. JAIR, Castlegar, 25/12/13.